Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 19 de novembro de 2011

O vento

O pessimista se queixa do vento, o otimista
espera que ele mude e o realista ajusta as velas.

William George Ward (teólogo inglês, séc. XIX)

     Chega o fim da tarde e traz junto o vento da primavera. Eu o chamo de Vento Gonçalves, porque da janela vejo a rua que homenageia o outro Gonçalves, aquele mesmo, o Bento da Revolução Farroupilha, e faço uma comparação entre ambos. Da janela também vejo os arranha céus da Bela Vista sendo lambidos pelos últimos raios do sol deste horário de verão.

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     Gosto do horário de verão. A mim parece que a luz do sol sobre a cidade fica mais bonita. O vento, em compensação, me deprime. Não gosto de vento, especialmente desse que assovia pelas frestas da mesma janela (e de todas as outras) por onde aprecio a beleza do fim de tarde. Sou como o pessimista da frase de William George Ward. Olho pra fora e vejo que o vento, de tão forte, também incomoda aquelas mulheres cujos cabelos, de tão duros, não sei qual é o pente que os penteia. Logo, logo passa voando desesperadamente um saquinho plástico branco, retorcendo-se todo à procura de um galho de árvore ou de uma malha de fios da rede elétrica onde possa enroscar-se e ali permanecer pelos próximos 30 ou 40 anos, que é o tempo que leva para se decompor.
     Em novembro venta muito. Ventou tanto no feriadão do aniversário da Proclamação da República que nem saí de casa. Não me recordo de um novembro anterior tão ventoso como o deste ano, mas a gente nunca se lembra de ventos, chuvas, calores e frios passados. Ainda bem que existem os jornais para estamparem na capa e as mocinhas do tempo dos telejornais para nos lembrarem que “há ‘x’ anos não ventava tanto” ou “não chovia tanto” ou “não fazia tanto calor” ou “tanto frio”; ainda bem que também existem os meteorologistas pra guardar os registros dessas efemérides e os informar à imprensa.
     O ruído do vento se confunde com o barulho dos ônibus que passam aqui embaixo. Às vezes penso que é um, mas é o outro. Só percebo que é o vento quando fica muito tempo zunindo, pois um ônibus acelerado não demoraria tanto pra passar. Olho para um pouco mais longe, em direção ao Morro Santana, e vejo uma fumaça branca como se fosse uma nuvem se arrastando célere e serelepe sobre os prédios da PUC. É uma imagem borrada. Se não tivesse vento, a fumaça subiria numa coluna levemente inclinada em direção às igualmente brancas nuvens, misturando-se a elas e tornando bucólica a paisagem que vislumbro. Ah, o vento que esfumaça a fumaça...
     À medida que o sol se esconde, mais o vento zumbi e zomba de mim, soprando pelas frestas das janelas, soando feito vaia da torcida ao time adversário: uhuhuhuhUHUHUHUHuhuhhu! uhuhuhuhUHUHUHUHuhuhhu! As esquadrias de alumínio das duas lâminas das portas envidraçadas das sacadas batem-se uma contra a outra. E são duas as sacadas. É preciso embuchá-las com um papelão dobrado. Fecho as persianas fabricadas com o leve PVC. Ah, mas elas, como eu, também não suportam o vento e, irrequietas, esfregam-se contra o trilho que as guia pra baixo e pra cima. É mais um ruído intermitente fazendo coro com a descontínua vaia do vento.
     Finalmente anoitece. Onde antes havia a luz do sol da primavera há, agora, a iluminação pública. A lua é minguante e só vai aparecer lá pela meia-noite, mesmo assim produzindo pouco brilho. Dizem que é nesse período de lua minguante que devemos aproveitar para nos livrar do que não mais precisamos, fazer limpeza doméstica, finalizar tarefas começadas, resolver assuntos pendentes, largar situações insatisfatórias. Dizem que tudo perde um pouco a intensidade e a importância. Espero que seja verdade e que este vento de novembro perca a intensidade.

     Puxa! Nem tinha me dado conta: enquanto escrevia o que meu coração sentia, o vento virou brisa. Encerro, então, com uma frase do padre António Vieira (religioso, escritor e orador português, séc. XVII):

     Para falar ao vento bastam palavras, para falar ao coração são necessárias obras.

4 comentários:

vidacuriosa disse...

Legal.Gostei do texto. Quanto a mim, o vento me leva a duas reflexões. Uma está ligada ao passado, a tristeza, a Finados, não sei por quê. A outra me leva ao presente, mas mais ao futuro. E que, assim como o sol, o vento é um presente pronto de energia, que o homem prefere não investir, insistindo em fórmulas danosas que mexem com as entranhas da terra e estimulam brigas de territórios. Ou usa a força da água para alagar florestas e terras indígenas. Enquanto isso, desdenha a energia eólica e a solar, ambas, ao meu ver, produtoras de energia limpa.

Aldo Jung disse...

Valeu, Plinio. Também acho que o recurso poderia ser melhor aproveitado. Quanto à tua ligação do vento com Finados, é porque a data é em novembro, e em novembro venta. Nem me lembro se ventou no último Finados. Vou ter que consultar o cara do tempo...

vidacuriosa disse...

Talvez eu tenha ficado com uma ideia após a leitura, há muito tempo, do livro o Tempo e o Vento, do Erico Verissimo, em que uma personagem fala algo sobre vento e morte. Abrs

Clara disse...

Que lindo, meu amor!
Sei o quanto te encomoda esse "ventogonçaalves", mas conseguistes ser poético com ele e para retribuir, aí vai uma poesia, cujos direitos autorais, estão respeitados:

"O VENTO!!!
Vania Staggemeier

Neste momento quisera...
Eu ser o vento...
Que vem da montanha...
Em uma suave brisa...

Para tocar tua pele...
Acariciar teus cabelos...
E beijar-te o lábio...
Neste doce frescor da manhã...

Como não posso ser o vento...
Serei só o pensamento...
Que pensa em você...

E neste momento...
Em pensamento...
No vento eu vou...
Chegar perto de você..."

E assim, passamos juntinhos, por mais um ano, assistindo e sentindo toda a beleza e o incômodo do nosso vento...
ETA!