Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







quarta-feira, 1 de setembro de 2010

A coruja já está pelada



     Andei pegando números aqui e ali, tal qual um catador de lixo reciclável. Não que números sejam lixo — apesar de alguns candidatos assim os considerarem —, mas que são recicláveis, ah!, isso são.
     Vamos a eles.
     Arredondando, a população brasileira é composta, hoje, de 192.305.000 habitantes. Destes, 135.804.000 são eleitores (70,6%). Uma projeção do censo do IBGE indica que em cada domicílio brasileiro residem, em média, 3,2 moradores. Pelo índice de eleitores (70,6% da população) dá pra dizer, então, que há 2,2 deles em cada casa. Pois bem, os números dizem, ainda, que 91,5% dos domicílios brasileiros têm aparelhos de TV. Tomando-se a população brasileira e dividindo-a pelo número médio de moradores tem-se que há 60.095.312 domicílios. Destes, pela lógica, 54.987.210 têm aparelho de TV, ou seja, 120.971.863 expectadores estão aptos a votar. Confuso? E pode ficar mais ainda.
     Pesquisas apontam que 41,6% da população maior de 16 anos costumam acessar a internet no País. Considerando que é a partir dos 16 que se está habilitado a votar, assevera-se que 56.494.464 dos eleitores têm acesso à internet, seja em casa, no trabalho ou em lan houses.
     Quanto a jornais, estima-se que circulam 8.193.000 exemplares diariamente. 84% desses leitores têm 16 anos ou mais. Então, 6.882.120 eleitores leem jornais.
     De rádio e seus ouvintes nem vou falar, porque todo mundo tem pelo menos um radinho de pilha.
     É muita coisa? Com certeza. Mas por que toda essa salada de números, porcentagens, deduções e suposições?
     Longe de mim querer ser um estatístico, um sociólogo, um antropólogo, um cientista político. Sou apenas um dos habitantes brasileiros, um dos eleitores brasileiros, um dos expectadores de TV, um dos leitores de jornal, um dos ouvintes de rádio e um dos internautas brasileiros. Sou apenas um observador do comportamento dos humanos, entre os quais incluo os candidatos e os eleitores.
     Todos têm acompanhado o crescimento da candidatura de Dilma Rousseff apontado pelas pesquisas de opinião. Na última delas, do IBOPE, a candidata da coligação “para o Brasil seguir mudando” teria 51% da preferência do eleitorado (63.372.936 eleitores); José Serra, da coligação “O Brasil pode mais“, teria 27% (33.550.378).
     Mas não foi sempre assim. Pouco antes do início oficial da campanha, até logo após, as pesquisas indicavam um empate técnico. A turma do Serra apostava num desempate a seu favor assim que começasse a propaganda eleitoral no rádio e na TV. Não foi o que se viu, apesar do esforço de marqueteiros cada vez mais bem pagos e especializados em campanhas políticas.
     É aí que eu queria chegar ao mostrar aquele monte de números e cálculos do início. Não acredito que a propaganda eleitoral destinada àqueles 120.971.863 expectadores de TV que votam vá definir uma eleição; que não é a campanha política disfarçada em informação que vai influenciar a cabeça dos 6.882.120 eleitores que leem jornais; muito menos daqueles 56.494.464 eleitores que acessam a internet. Mesmo porque acho que pouquíssimos assistem ou ouvem o horário de propaganda eleitoral gratuita. Ainda falando em números, pelo menos oito milhões pagam por uma assinatura de TV. Estes, com certeza, têm mais o que assistir naqueles horários.
     De acordo com Alberto Carlos Almeida, em seu livro A cabeça do eleitor (Rio de Janeiro: Record, 2008), a opinião pública é regida por padrões. Ela não se comporta de maneira aleatória, irregular ou ilógica. E demonstra o que diz com a prática:

  • Em 1994, o governo Itamar Franco estava muito bem avaliado. Foi eleito seu ex-ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.
  • Em 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso estava muito bem avaliado. O próprio presidente foi reeleito.
  • Em 2002, o governo Fernando Henrique Cardoso estava mal avaliado. O seu principal opositor, Lula, foi eleito.
  • Em 2006, o governo Lula estava muito bem avaliado. Mais uma vez o presidente em exercício foi reeleito.

     Pelo padrão detectado nas quatro últimas eleições, pode-se projetar claramente 2010: o governo Lula está muitíssimo bem avaliado (77,5%). A candidata indicada por ele, Dilma Rousseff, será eleita.
     E quem avalia um governo? É o próprio eleitor. Ainda segundo Alberto Carlos Almeida, é o eleitor “quem responde aos estímulos dos candidatos conferindo-lhes — ou não — uma identidade clara. [...] A cabeça do eleitor é lógica e não pode ser ludibriada facilmente, nem mesmo pelas mais avançadas técnicas de comunicação e publicidade”.
     Falei no começo que números são recicláveis, ou seja, podem sofrer uma alteração da ciclagem, ou passar por uma repetição operacional objetivando melhorar propriedades ou aumentar o rendimento da operação global. Uma pesquisa pode ser “reciclada”, mas não acredito que recicle a cabeça do eleitor.
     Gostaria de deixar claro que já não ouço e nem assisto ao horário eleitoral gratuito e que também não adianta me mandarem emails falando mal do Lula e da Dilma. Nada mais vai me convencer: esta coruja já está pelada!

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