Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







terça-feira, 19 de julho de 2011

Fragmentos aleatórios de um diário

Um dia

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     Acordei na madrugada sentindo o coração apertado, o corpo cansado, a respiração curta, ofegante, suspiros constantes, cabeça pesada. Mirei os números verdes do relógio digital. A princípio estavam desfocados. Me concentrei e ficaram nítidos: 02:36. Virei para o outro lado. Sentia no intestino a revolta pelas misturas de doces e salgados do dia anterior. Revirei para o lado de antes. Com os olhos abertos, fiquei a calcular de quanto em quanto tempo piscava a luz verde do Identificador de Chamadas que acusa ligações não atendidas. Segui os rastros das luzes do roteador para ver até onde iluminavam. A luz mais forte, no entanto, era a da régua de tomadas que fica abaixo da mesa. Dei-me conta da quantidade de pequenas lâmpadas que ficam acordadas 24 horas por dia, mas que só as percebo à noite, quando perco o sono.
     A contagem das piscadas do Identificador de Chamadas, o rastro das luzes nervosas do roteador, a constante luz vermelha da régua de tomadas e os números luminosos do relógio digital eram, na verdade, uma tentativa de acariciar o sono, que não chegava perto e era incerto; eram uma distração, um subterfúgio para eu não pensar em algo que me incomodava.
     Levantei depois de muito virar e revirar, de cansar de admirar luzinhas. Na cozinha, tomei remédios pra acalmar o intestino revoltado e dolorido. Talvez fosse isso o que não me deixava dormir.
     Voltei para a cama esperando os remédios fazerem efeito. Foi quase imediato. Mesmo assim, ainda não encontrava o sono. Não era essa indisposição que não me deixava dormir... Num instante, contudo, descobri que eram os ratos barulhentos que habitavam meu sótão que me mantinham insone. Me falavam de como minha vida mudou nos últimos tempos; de como, surpreendentemente, interrompeu-se uma inércia vivencial e sobrevieram suaves solavancos sensoriais. Passei a amar como jamais esperava que acontecesse ou que acontecesse novamente. Sei lá, as pessoas passam, os fatos ficam distantes, as sensações são esquecidas. A idade é outra...
     Abri os olhos e mirei os números verdes do relógio digital. A princípio estavam desfocados. Me concentrei e ficaram nítidos: 05:32. Virei para o outro lado até ser acordado pelo despertador nervoso. Acho que, de raiva, derrubei-o no chão.
     Desde aquele primeiro momento da noite anterior, e até agora, meu coração está apertado, o corpo cansado, a respiração curta, ofegante, suspiros constantes, cabeça pesada. Seria resultado de uma noite mal dormida?

.:: o ::.

Outro dia

A vida só pode ser entendida olhando-se para trás. Mas só pode ser vivida olhando-se para frente1.

     A primeira frase da epígrafe dominou minha manhã. Olhei para minhas relações passadas lembrando o que as fez acabar. Algumas, quem sabe, foram apenas entendimento, combinação de feronômios, mas foram relações.
     Persegui a primeira guria por quem me apaixonei até conquistá-la e torná-la minha namorada. Eu tinha uns 16 ou 17 anos. Isso faz mais de 40 anos. O que poderia eu saber da vida? Namorei-a até achar que me apaixonara por outra, mais interessante, mais bonita... Mas fora um acidente de percurso. Voltei à anterior e com ela fiquei até ser trocado pelo Rio de Janeiro. Lembro de ter sofrido muito, das cartas apaixonadas que trocávamos, das respostas dela que foram rareando até cessarem. Aí, contudo, achei que tinha me apaixonado novamente por outra. Minha vida mudou. Tornei-me sério e compenetrado e curti longos períodos de meditação solitária em meu quarto. Fui ao Rio de Janeiro pra me certificar de que estava no caminho certo. Descobri que sim e me senti vingado.
fragmentos-2      Casei. Logo depois descobri que havia entrado numa fria. Uma viagem levou meu amor embora. Por um mês fiquei sozinho da noite para o dia, remoendo aquele abandono. Na volta, não adiantou a tentativa de descobrir se havia amor naquela relação e ela terminou.
     O cadáver do amor ainda nem estava frio e renasceu avassaladoramente, também da noite para o dia, dentro de um bar. Outra vez achava que estava no caminho certo e resolvi “casar” novamente. Ainda fiz duas experiências antes disso e tive certeza de que a mulher que eu queria era esta mesmo. Depois de nove anos de certeza, no entanto, balancei e me apaixonei por uma colega de trabalho. O casamento não acabou. Acho que quem acabou foi o amor. E por quê? Talvez desgaste; talvez cansaço.
     Esta nova paixão, contudo, acabou, não por falta de dedicação e promessas, mas sim por falta de coragem de continuar, de seguir as perspectivas e expectativas. Pelo menos aprendo que onde se ganha o pão não se come a carne.
     Por um bom tempo fiquei inconformado comigo mesmo e, de repente, percebi que não amava ninguém. Criei um escudo, uma proteção em volta do meu coração, não permitindo que alguém entrasse nele ou que dele eu saísse. Uma mulher aqui, outra ali, relações que, mesmo duradouras, para mim não passavam de aventuras carnais, sem romance.
     Enfim volto a me encontrar com o amor e, agora, devo pensar na segunda frase da epígrafe, com esperança de não precisar mais pensar na primeira. Não quero que o amor que sinto seja um dia entendido como passado. Quero vivê-lo intensamente como agora, até o fim da vida, não da relação.

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1 S. Kierkegaard, filósofo dinamarquês - 1813-1855

2 comentários:

Clara disse...

Ahhhh amor...! Meu Ano Novo, minha vida nova!

Buffalo disse...

Os números do relógio eram verdes ou vermelhos?
Um abração do amigo Buffalo