Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







quinta-feira, 25 de março de 2010

Quem ouviu o que de quem?



     Quando estive professor de radiojornalismo na Unisinos, na longínqua década de 80, uma das questões da prova que aplicava no final do semestre era a seguinte:

     Como já foi visto nas várias disciplinas que envolvem redação, em jornalismo em geral – e em de radiojornalismo em especial – deve-se escrever em ordem direta, em função de ser a mais usual e de mais fácil entendimento pelos leitores/ouvintes.

     Neste sentido, coloque em ordem direta o texto a seguir.

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas, de um povo heróico o brado retumbante. E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, brilhou no céu da pátria nesse instante.
Se o penhor dessa igualdade conseguistes conquistar com braço forte, em teu seio, ó liberdade, desafia o nosso peito a própria morte!
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido de amor e esperança à terra desce, se em teu formoso céu risonho e límpido, a imagem do Cruzeiro resplandece.
Do que a terra mais garrida teus risonhos lindos campos têm mais flores; nosses bosques têm mais vida, nossa vida no teu seio mais amores.

     Os alunos identificavam imediatamente o Hino Nacional Brasileiro. Claro, desde crianças cantavam de cor os versos que Joaquim Osório Duque Estrada fez para a música de Francisco Manuel da Silva. Sim, decoravam as palavras na ordem em que estavam postas, mas será que sabiam, por exemplo, “quem ouviu o que de quem”?
     Pelos resultados que obtinha, poucos sabiam e conseguiam transcrever o texto para a ordem direta.
     A questão em questão era uma pegadinha. Não valia ponto. O objetivo era apenas chamar a atenção dos futuros jornalistas para a necessidade de o redator escrever de maneira a facilitar o entendimento da notícia.
     E o leitor internauta de agora, consegue decifrar o que os jogadores de futebol cantam quando a seleção brasileira entra em campo para disputar uma partida? Não? Então anote aí.

As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico, e, nesse instante, o sol da Liberdade brilhou, em raios fúlgidos, no céu da Pátria.
Se conseguimos conquistar o penhor desta igualdade com braço forte, o nosso peito desafia a própria morte em teu seio, ó Liberdade!
Brasil, se a imagem do Cruzeiro resplandece em teu céu formoso, risonho e límpido, um sonho intenso, um raio vívido de amor e de esperança desce à terra.
Teus campos risonhos, lindos, têm mais flores do que a terra mais garrida; nossos bosques têm mais vida, nossa vida no teu seio [tem] mais amores.

     Um jornalista jamais redigiria a notícia do famoso “Grito do Ipiranga” nesses termos, com tantos adjetivos e figuras de linguagem e com tamanho ufanismo. Ao mesmo tempo, além de ser impossível obedecer à métrica que a harmonia exige ao se cantar as frases em ordem direta, as rimas seriam perdidas. A questão da prova era apenas a oportunidade de aplicar um exemplo prático, com um texto que os alunos ouviam desde crianças, mas, como eu comprovava, não entendiam o que diziam.
     Não sei como se sairiam os estudantes de jornalismo de hoje se lhes fosse aplicada a questão. Não tenho certeza, mas acho que esse tipo de coisa se estuda lá pela 7ª ou 8ª série. Acredito, então, que seja um exercício interessante a ser aplicado a alunos dessas séries do Ensino Fundamental, numa interdisciplinaridade entre Língua Portuguesa e História. Enquanto uma analisa e interpreta a letra do hino, a outra aproveita pra contar a verdade sobre a Independência do Brasil.
     Assim, os estudantes que optarem pelo curso de Comunicação no Ensino Superior não sofrerão constrangimento ao cursarem a disciplina de radiojornalismo e se depararem com um professor como eu fui para os meus alunos.

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