Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O velho do saco e a bomba nuclear



     Quando eu era pequeno, ou melhor, quando meus pais eram pequenos, melhor ainda, desde quando os pais dos meus pais eram pequenos, os pais, avós e tios dessas gerações tentavam domar crianças bagunceiras, desobedientes e rebeldes com uma lenda urbana: o velho do saco. Diziam que, se a criança não se comportasse, não fizesse os temas, dissesse palavrão, se negasse a tomar banho ou só quisesse saber de rua seria entregue ou apanhada pelo velho do saco. O sujeito em questão era um velho mal vestido e sujo, com um saco enorme às costas, onde colocava as crianças com as características já citadas. Ou a criança seria entregue ao velho quando passasse, ou o próprio se encarregaria de pegá-la, quando ela estivesse na rua em vez de estar comportada em casa fazendo o tema da escola.
     Mas o que o velho fazia com as crianças que carregava no saco? Diz a lenda que fazia sabão com elas, assim como se diz que é o que é feito com cachorros de rua, sem dono, que são apanhados pela carrocinha.
     Não se sabe quando exatamente começou essa história. Estima-se que começou a ser contada logo após a chegada dos primeiros ciganos no Brasil, no final do século XIX. Os ciganos, nômades originários do norte da Índia, espalharam-se pelo mundo e, em todos os lugares onde tentaram se estabelecer, eram considerados vadios, ladrões e raptores. Há, inclusive, uma versão alternativa em que, em vez do velho do saco, era um cigano que pegava as crianças (provavelmente pra transformar em tachos e utensílios de cobre).
     Eu nunca fui ameaçado com o velho do saco. Não que eu fosse um anjo, mas acho que meus pais sabiam que eu não era idiota e, em vez do velho do saco, me aplicavam castigos como não sair do quarto, não ganhar determinado presente, etc. Tinha colegas, no entanto, que se borravam de medo de o velho aparecer de repente na pracinha. Mas não deixavam de correr atrás da bola. Imagino que os pais dos Ronaldinhos e Robinhos nunca os assustaram com essa história...
     De outra parte, na sexta-feira (06 de agosto), fez 65 nos que os Estados Unidos lançaram sua primeira bomba nuclear sobre a cidade de Hiroshima, destruindo-a por inteiro. Três dias depois, repetiriam o horrendo feito sobre Nagasaki. Calcula-se que 70 mil pessoas morreram na hora ou poucas horas depois das explosões. Outras 130 mil morreram nos 5 anos subsequentes, em função de ferimentos e doenças causadas pela exposição à radiação. A verdade é que nunca se saberá ao certo quantas centenas de milhares de vidas foram tomadas ou afetadas para sempre com apenas duas explosões.
     Todo mundo sabe que essa história não é uma lenda. Ela começou em 2 de agosto de 1939. Albert Einstein (um dos cientistas mais respeitados na época), atendendo a pedidos de outros cientistas, escreveu uma carta ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt. Na carta, Einstein dizia que os EUA deveriam priorizar o desenvolvimento de uma bomba baseada em energia nuclear antes que os alemães o fizessem. Nascia, assim, o Manhattan Project, com o propósito de desenvolver a bomba atômica. Seis anos depois, em 16 de julho de 1945, no estado de New Mexico, a primeira bomba nuclear foi detonada como teste. Os próprios soldados americanos foram utilizados como cobaias para os efeitos da radiação. O então presidente Harry Truman, querendo forçar o Japão a sair da guerra, ordenou que fossem lançadas as bombas sobre Hiroshima e Nagasaki. Obteve a rendição do governo japonês e o consequente fim da 2ª Guerra Mundial.

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     A bomba nuclear passou a ser, desde então, o velho do saco da humanidade. A 3ª Guerra Mundial propriamente dita nunca passou de uma Guerra Fria pelo medo de que um dos lados lançasse bombas nucleares sobre o outro e vice-versa. Os “pais” da humanidade passaram anos ameaçando-se sub-reptícia e mutuamente.
     A guerra fria, contudo, ainda não terminou. Os “pais”, agora, temem de que os “filhos” construam um velho do saco, digo, a bomba nuclear e “irresponsáveis, desobedientes, bagunceiros e rebeldes” como são, explodam-nas na cara dos “pais”

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      O velho do saco e a bomba nuclear. Uma lenda e uma verdade politicamente incorretas que trazem consequências psicológicas assustadoras.

2 comentários:

Macfuca disse...

Brilhante a comparação como sempre.
O único velho do saco que conheci era o "Sabugo" lá na rua do Parque lembra. Colocava todos os dias a caneca pra vô Iva colocar café. Nunca fui ameaçado por ele a não ser pelo aspecto que justificava o apelido. "Sabugo"
Agora o que matou a pau foi o "sub-reptícia" por isso que a Dileta te adorava na faculade e de outro lado me odiava rsrsrs.

Abração

Tava com saudade dos teus escritos!

Clara disse...

Belo e inteligente, como sempre!!