Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 25 de setembro de 2010

Estelionato ou ignorância





     Tem um tipo de desonesto que eu admiro, desde que eu não seja a vítima da vez. Não! Não estou falando de certos políticos. Desses, todos somos vítimas. Falo daqueles que praticam o ato de obter, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Sim, falo dos estelionatários.
     Admiro-os por sua inteligência, sua lábia, sua capacidade de convencer as vítimas. Deixo de admirá-los, no entanto, quando são pegos, pois, então, por absoluta ganância, deixaram de ser inteligentes.
     Em compensação, tem um tipo de mentiroso que abomino: o ignorante.
     Vi na TV um caso ocorrido na Bahia. Um PM (ou ex-PM, não me lembro) tentou comprar um aparelho celular com uma identidade falsa. A vendedora desconfiou do documento porque dizia que o sujeito era “Técnico em engenharia e extrutura”. Realmente, o ignorante não se extruturou para praticar o golpe.
     Usei todo esse “nariz-de-cera” para falar de um email que anda invadindo nossas caixas de entrada e que, sem sombra de dúvida, é uma mentira deslavada e de perna muito curta.
     Trata-se de uma “notícia” segundo a qual a candidata à presidência, Dilma Rousseff, teria mantido um romance com uma doméstica antes de se instalar em Brasília. Vou reproduzir aqui o email para que vocês tirem suas conclusões sobre a veracidade da informação.
     Diz o texto:

Dilma Rousseff é Lésbica (sic), mas nunca quis assumir nosso romance publicamente.

     A declaração é de Verônica Maldonado, uma doméstica que afirma ter tido um longo romance com a atual candidata à presidencia (sic) da república, Dilma Rousseff.
     ‘Nos relacionamos durante mais de quinze anos, mas quando surgiu essa oportunidade em Brasília, ela nunca mais quis saber de mim.’
     Verônica afirma possuir fotos, cartas e outros documentos que comprovam a relação duradoura e pretende pleitear na justiça o direito à (sic) uma pensão mensal.
     ‘Afinal nós tivemos um relacionamento durante mais de qinze (sic) anos, período em que deixei de trabalhar, estudar, apenas para ficar com ela. Acho que tenho direitos como qualquer outra mulher!’
     Segudo (sic) o advogado de Verônica, Dr Celso Langoni Filho, a possibilidade de ganho de causa é concreta, uma vez que sua cliente é capaz de comprovar a existência de uma relação estável e duradoura. Ele cita o caso da Justiça de Pernambuco, que tomou uma decisão inédita este mês ao reconhecer a união estável de duas lésbicas para fins de pagamento de pensão.
     ‘A decisão da juíza Paula Maria Malta, da 11ª vara da família e registro civil da capital pode abrir jurisprudência para que outros juízes sigam o parecer’ Afirma (sic) Celso Longoni.
     Em sua decisão, a juíza alegou que o artigo 226 da Constituição diz que a família é um bem da socedade (sic) e que tem proteção especial do estado. A lei se refere ao elacionamento (sic) entre homem e mulher, mas não fala em pessoas do mesmo sexo.”

     Vamos, então, desmascarar essa farsa.
     O email foi divulgado em inúmeros blogs de ilustres desconhecidos, principalmente nos de antipetistas, antilulistas e antidilmistas cheios de ódio no coração. Não sei quem nasceu primeiro: o email ou a “notícia” nos blogs. Nele tem uma foto da suposta doméstica, a tal de Verônica Maldonado. Trata-se de uma moça parda, com aparência de ter, no máximo, 30 anos. Ora, Dilma Rousseff foi para Brasília em 2002 para assumir o Ministério de Minas e Energia. Ao ser abandonada, a doméstica deveria ter, então, seus 22 anos. Se o relacionamento durou 15 anos, Verônica deveria ter sete anos quando o romance começou. Além do lesbianismo denunciado, o caso seria um crime de pedofilia, fato sobre o qual o mentiroso nem se deu conta.
     Outra coisa que denuncia a mentira é o nome do suposto advogado. Ora aparece como Longoni, ora como Langoni. De qualquer maneira, trata-se de um nome inventado, pois não consta advogado com esse nome em nenhuma seccional da OAB.
     Em terceiro lugar, indicaria como prova da falsidade os erros de digitação do autor, que não ocorreriam em uma publicação séria: Lésbica (com maiúscula); presidencia (sem acento); qinze; segudo; Afirma (com maiúscula, no meio da frase); socedade; elacionamento.
     Por fim: em alguns blogs, o título geral fala que a doméstica é mineira. Pois bem, onde teria mantido o suposto romance com Dilma? Em Minas? Ou seria no Rio Grande do Sul, onde a candidata viveu muitos anos antes de ir pra Brasília?
     A única coisa verdadeira é o caso da justiça de Pernambuco que o autor mentiroso usou para ilustrar a fala do inexistente advogado da inexistente doméstica.
     Pior do que o ignorante que inventou a “notícia” são os que a espalham, seja em blogs ou por email. E tem gente do meu catálogo de endereços que acreditou...
     Como disse antes, abomino ignorância e burrice. Se quiserem mentir, façam-no com categoria.
     Fico sem saber se classifico como estelionatário o autor da falsa notícia e como vítimas os que nela acreditaram ou se apenas classifico todos como ignorantes. Como se sabe, estelionato é o ato de obter, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Qual seria a vantagem em inventar uma história como essa da doméstica? Se não há nem vantagem é, então, ignorância.

6 comentários:

Clara disse...

É isso aí! Abaixo a ignorância, ao lixo virtual e também (se for o caso), ao preconceito!

Beijo

Luis Felipe R. Freitas disse...

Aldo
Concordo. Eu lembro de ter lido a "notícia" pela internet, num site supostamente jornalístico ou blog, não lembro. E chamou atenção mesmo esse fato da pessoa da foto ser muito mais nova do que a presidenciável. Pensei que, se fosse verdadeira a notícia, podia se tratar, talvez, de alguém que tivesse trabalhado para Dilma como doméstica e, por isso, conhecesse sua intimidade e tentasse tirar vantagem com uma acusação de relacionamento não assumido. Mas analisando, por exemplo, a frase "quando surgiu essa oportunidade em Brasília", vemos que ela tem um eco do discurso anti-Dilma, no qual dizem que ela foi "fabricada" de uma hora para a outra para ser "canditata fantoche do PT". Ora, qualquer um mais ou menos bem informado sabe que Dilma Roussef está nos quadros petistas há muito tempo, bem como teve cargos altos nas duas gestões do presidente Lula. De qual oportunidade estariam falando? Ser candidato a presidente num dos maiores partidos do Brasil não é como conseguir um emprego novo de uma hora para outra, é coisa que resulta de uma história de trabalho e de reconhecimento nos próprios quadros do partido, inclusive. E isso que tu levantas muito bem, o erro da cidade onde Dilma morava antes de Brasília, mostra que quem criou a notícia nem se deu o trabalho de pesquisar um pouco da história de Dilma. Erro fundamental: partiram da informação do local de nascimento. É a velha estratégia da direita que não se assume, que esconde a cara, de criar boataria para tentar desestabilizar programas de governos democráticos (em campanha eleitoral ou já eleitos).
Abraço,

Macfuca disse...

Concordo com tudo em relação as boatarias em que as pessoas somente resolvem repicar para sua pasta de contatos. Enviam sem a mínima pesquisa possível coisas fáceis de verificar. Assim como os inúmeros textos que são ditos como do Arnaldo Jabor, aquele que fala dos gaúchos e tantos outros que nem ele sabe.
Ainda sim tenho que dizer o seguinte não se iludam achando que isso é tão somente estratégia de direita ou de esquerda. Isso é a nossa política e dela não se separam mais as pessoas e muito menos os partidos. É só parar um pouco pra ver quem divide os palanques hoje. Pessoas que se odiaram no passado e hoje nos tratam como fantóches.
Muita calma nessa hora quanto mais nos apaixonamos menos um partido temos.
O problema não são as siglas mas sim as pessoas e aí tem cacaca pra tudo que é lado. Também é uma questão de pesquisar.
Forte abraço!!

Luis Felipe R. Freitas disse...

Amigo Macfuca,
"Não se iludam achando que isso é tão somente estratégia de direita (ou de esquerda)"
Ainda não recebi nenhum email dizendo que o presidenciável José Serra teve um amante "lésbico" que ele não quis assumir, ou a ficha dele do DOPS que, sim, existe (e que parece ser menos "pesada" que a da Dilma, no entanto) argumentando que ele vai implantar um comunismo stalinista (ou uma reforma nazi-fascista, para usar um excesso histórico de extrema direita). Nem mesmo um emailzinho dizendo que ele vai querer privatizar hospitais e fechar escolas públicas, o que seria uma boataria coerente com a associação do PSDB com o PFL, a diretia ultra-liberal (vulgo DEM).
Eu cresci no meio de pessoas (refiro-me a familiares) que espalhavam, ingenuamente, muitas vezes, mesmo antes da internet, os boatos contra partidos de esquerda e democráticos, coisas que nunca vi se confirmarem. Eu acho que não é tudo a mesma coisa. E não me acho iludido, porque eu observo muito a realidade e os discursos (claro que tem o ponto de vista pessoal, mas isso é um direito irrevogável, não é?).
No mais, concordo com você. A maior parte dos nossos políticos trabalha em benefício próprio e isso precisa ser mudado.
Abraço

Anônimo disse...

Independente dos fuxicos, a ex- guerrilheira vai vencer. Mas o vice Temer é que está feliz!Aguardem....

Aldo Jung disse...

Pois é, anônimo, assim como inventam que seria lésbica, há muita "lenda" atrás do "guerrilheira". E, não se esqueça que graças aos "guerrilheiros" poderás escolher livremente teu presidente, amanhã...