Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 27 de março de 2010

Caso Nardoni: O Big Brother Jucicial




     A mídia condenou o casal Nardoni. É a minha conclusão, sobre a qual não tenho a menor dúvida, assim como não a tiveram, mesmo sem pressentir, os jurados que votaram “sim”.
     Começo a explicar minha conclusão com a análise de uma palavra: influência. De acordo com os dicionários, influência é a “ação que uma pessoa ou coisa exerce sobre outra”; “ascendência, predomínio, poder”; “poder de produzir um efeito sobre os seres ou sobre as coisas, sem aparente uso da força ou de autoritarismo”; “ação que se exerce sobre as disposições psíquicas, sobre a vontade de determinada pessoa”; “autoridade, prestígio, crédito desfrutado por alguém numa sociedade ou num determinado campo”. Influência é o substantivo; o verbo é influir, que significa “inspirar, sugerir”; “incutir”; “transmitir”; “insuflar”; “fazer penetrar no ânimo; comunicar”.
     Coloquei “casal Nardoni” na barra de pesquisa do Google e ele apontou que há cerca de 860 mil resultados com essa expressão. Claro que não olhei todos, mas todos os que vi eram sobre o fato.
     O Google Notícias, por sua vez, indicou que, até aquele momento da pesquisa, o jornal O Globo trazia 942 artigos relacionados aos Nardoni, enquanto o Estadão, 2796. São apenas dois veículos da mídia. Imagine o número resultante da soma dos artigos de todos os jornais, revistas e da internet, mais as matérias de rádios e TVs.
     Esse números, pra mim, não constituem prova circunstancial, mas sim irrefutável de que a mídia influenciou a decisão dos jurados.
     Aliás, como os dicionários definem prova? De maneira geral, é “aquilo que atesta a veracidade ou a autenticidade de alguma coisa; demonstração evidente: ‘São inequívocas as provas de sua responsabilidade’; ‘Deu-nos uma prova de seu virtuosismo ao piano’”. Juridicamente, descrevem como “atividade realizada no processo com o fim de ministrar ao órgão judicial os elementos de convicção necessários ao julgamento”; “cada um dos meios empregados para formar a convicção do julgador”; “fato, circunstância, indício, testemunho etc., que demonstram a culpa ou a inocência de um acusado”.
     Fui jurado durante 10 anos em Porto Alegre. Nunca disse “sim” se não me tivessem demonstrado prova irrefutável da culpabilidade do réu. Prova circunstancial (a que se baseia em indícios), não me servia. O mesmo não posso dizer de alguns cidadãos e cidadãs — a minoria — que comigo dividiam o conselho de sentença. Não tenho provas, mas indícios, evidências de que, mesmo antes de ouvir as partes, já tinham a disposição de condenar. Muitos acreditam que, só pelo fato de ser oriundo de uma classe marginalizada e por estar sentado no banco dos réus, aquele indivíduo já é culpado. Se estiver preso ou tiver uma condenação no passado, então, nem se fala.
     Em Porto Alegre há sessões do Júri quase todos os dias. Cada dia um caso diferente. Em 10 anos, me lembro de ter lido notícias de uns dois ou três fatos em cujo julgamento viria a ser jurado. Isto quer dizer que chegava ao Tribunal do Júri sem saber quem era o réu e de que era acusado. Só ficava sabendo dos fatos na hora, ao ler o libelo acusatório e algumas partes do processo. Os réus, via de regra, eram moradores da periferia, desocupados ou subempregados. Muitas vezes o representante do Ministério Público pedia a absolvição por não haver sequer indícios do fato delituoso pelo qual o réu estava sendo julgado.
     Também me lembro de ter lido duas ou três vezes sobre a condenação de determinado réu no dia seguinte aos julgamentos, geralmente quando se tratava de algum traficante.
     O que eu quero dizer com isso? Que, excetuando-se aqueles poucos jurados que já saem de casa dispostos a condenar, a maioria nem sabe do que se trata o fato sobre o qual toma conhecimento na hora. Não há qualquer influência externa sobre o julgamento.
     No caso Nardoni, no entanto, a situação foi bem diferente. Pelo tipo de crime, pela condição social dos acusados e pela repercussão que teve, a mídia esteve em cima o tempo todo, praticamente durante os dois anos entre o fato e o julgamento. Um grande circo se armou em torno do acontecimento. Dias antes, durante e ainda haverá de permanecer um tempo, dezenas — senão centenas — de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas estiveram e estarão envolvidos com a divulgação de tudo o que aconteceu e ainda acontecerá em relação ao caso. O público se aglomerou em frente ao Fórum, ávido por notícias do desenrolar do julgamento. Houve queima de fogos depois da divulgação da sentença. Parecia final de campeonato brasileiro.
     Se os Nardoni fossem pessoas marginalizadas, moradoras de periferia, pertencentes a uma classe de baixa renda, o fato teria as luzes e microfones da imprensa? Não. Muitos entendem que seria uma coisa comum de acontecer em famílias dessa condição social. O fato não teria a proeminência da qual a mídia precisa.
     Este caso me lembra o Big Brother, com algumas diferenças. Durante cinco dias, sete jurados ficaram incomunicáveis com o mundo exterior, mas não podiam combinar voto; durante cinco dias, dois réus estiveram no paredão, só que, em vez de sair, vão ficar por muitos anos confinados. No Big Brother da televisão, o castigo é sair. No big brother judicial, o castigo é ficar.
     Há meses todo mundo fala no Big Brother, uns apoiando, outros condenando os hoje participantes Cadu, Dicésar, Dourado, Fernanda e Lia; há dias o Brasil fala sobre o caso Nardoni, todos condenando Alexandre e Anna Carolina. Nos dois casos acredito que haja uma ação que se exerce sobre as disposições psíquicas, sobre a vontade de determinada pessoa, ou seja, influência.

Um comentário:

Felipe disse...

Concordo plenamente com o que você disse. Eu, como profissional do direito, sempre acho que para se condenar alguém deve haver prova irrefutável, uma coisa certa, que ninguém duvide. Mas o que houve aqui foram indícios, suspeitas, perícias muito mal feitas (que nem se comparam às perícias dos americanos). Veja bem, não estou defendendo o casal, mas estive acompanhando o caso e comentários de outras pessoas e encontrei um que resume tudo isso: prefiro ver culpados soltos (neste caso de dúvida), a inocentes presos.