Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 6 de março de 2010

Palavras, nada mais que palavras...




     Já escrevi neste blog sobre palavras. Em O cara disse: merda! falei sobre o uso desse “palavrão”; em A cinza vulcânica e os palavrões falei sobre as duas maiores palavras da língua portuguesa. Dizem que palavras são apenas palavras. Será?
     Acho que muito há o que se falar sobre palavras, a começar pela definição de palavra. O Dicionário Aurélio Eletrônico - Século XXI (1999) e o Dicionário Eletrônico Houaiss (2001) trazem, ambos, 14 acepções para o vocábulo palavra. O Aurélio usa 182 palavras, sem contar as dos exemplos, pra explicar o que é palavra; o Houaiss, por sua vez, usa 190 palavras. Como se vê, muitas palavras são necessárias para definir o que é palavra...
     Grosso modo, a um grupo de palavras que forma um sentido completo dá-se o nome de frase. É, portanto, muito mais fácil definir o que é uma frase do que uma palavra.
     Noam Chomsky, um linguista e filósofo norteamericano de 81 anos (também conhecido por suas posições políticas de esquerda), sugere que a capacidade para produzir e estruturar frases é inata ao ser humano, ou seja, é parte do nosso patrimônio genético. Chomsky chamou atenção para dois fatos fundamentais sobre a linguagem. Em primeiro lugar, cada frase dita ou ouvida é uma nova combinação de palavras, que aparece pela primeira vez na história do universo. Por isso, uma língua não pode ser um repertório de respostas, o cérebro deve conter alguma receita ou programa que consiga construir um número infinito de frases a partir de uma lista finita de palavras. A esse programa dá-se o nome de Gramática Universal (GU). Suas idéias influenciam significativamente as pesquisas que investigam a aquisição de linguagem pelas crianças.
     Segundo Chomsky, um cientista marciano que observasse crianças numa comunidade de linguagem única concluiria que a linguagem é quase completamente inata. Isso nós leva ao segundo fato observado por Chomsky, o ritmo que as crianças adquirem palavras e gramática sem serem ensinadas é extraordinariamente rápido para ser explicado apenas pelos princípios da aprendizagem.
     Colaborando com Chomsky, Steven Pinker, 51 anos, psicólogo e linguista canadense da Universidade de Harvard e escritor de livros de divulgação científica, diz que os bebês humanos nascem antes de seus cérebros estarem completamente formados. Se os seres humanos permanecessem na barriga da mãe por um período proporcional àquele de outros primatas, nasceriam aos dezoito meses, exatamente a idade na qual os bebês começam a falar, portanto, nasceriam falando.
     Há várias teorias sobre a aquisição da linguagem. Nem sei por que escolhi a de Chomsky, talvez por suas posições políticas e não linguísticas. Mas chega de papo cabeça, pois minha proposta inicial era falar sobre palavras.
     Palavra, aqui, como unidade da língua escrita, situada entre dois espaços em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação; como unidade mínima com som e significado que pode, sozinha, constituir enunciado. Quem sabe, ainda, como faculdade de expressar idéias por meio de sons articulados. Enfim, cada um dos dicionários que citei têm 14 acepções para palavra.
     São apenas palavras, mas quero falar especialmente de termos esdrúxulos...
     Esdrúxulo? Ô palavrinha esdrúxula! Olha só, preciso definir exdrúxulo pra poder continuar falando de outras palavras.
     Em gramática dizia-se, antigamente, que esdrúxulo era proparoxítono; em versificação, um verso que terminava em palavra proparoxítona. Informalmente, no entanto, esdrúxulo significa fora dos padrões comuns e que causa espanto ou riso; esquisito, extravagante, excêntrico. Acho que é o que todos “adquirem” quando se fala nesta palavra.
     Vamos, então, a algumas palavras esdrúxulas. Escolhi palavras começadas pelo prefixo “es”, que exprime: 1) movimento para fora; 2) privação, extração; 3) oposição; 4) iteração; 5) transformação: ; 6) redução a fragmentos; reveste sentido frequentativo ou intensivo; em alguns casos, es- equivale ao prefixo des-: escabelado/desca-belado, esfazer/desfazer, esperdiçar/desperdiçar. Frequentemente, es- é um falso prefixo, resultante da prótese de um e- em vocábulos gregos, latinos, italianos, ingleses, alemães, franceses e outros, iniciados por s.

Esculhambar

     Acho que pra todos os falantes da língua portuguesa, esculhambar é desmoralizar, avacalhar, esculachar, criticar ou repreender com violência, descompor, zombar, escarnecer, ridicularizar, estragar, danificar, deteriorar. Esculhambar tem origem duvidosa quanto à etimologia. Segundo um etimólogo, a palavra baseia-se em colhão. Diz que, primitivamente, o vocábulo significou “ficar com os testículos (colhões) feridos de tanto andar a cavalo”. Outro afirma que “está evidentemente relacionado a cu, mas o processo de formação é obscuro”. Eu sempre ouvi dizer que se dá o nome de esculhambação à festa no dia de castração de touros nas fazendas. Tem sentido, uma vez que os dicionários definem esculhambação como anarquia, desordem, confusão.

Esborrachar

     A etimologia deste termo indica que “o ato de esborrachar seria inicialmente o de rebentar pisando, apertar como comprimindo borracha cheia”. Conhece-se mais o sentido da palavra, contudo, como estatelar-se no chão, cair. Dicionários ainda atribuem ao termo o sentido de fazer rebentar, apertando ou achatando, pisar, esmagar, comprimir, bem como de esbofetear, esmurrar. Sei lá! Eu nunca esborrachei alguém nesses dois últimos sentidos.

Espatifar

     Não sei por que, mas sempre pensei que espatifar tivesse alguma coisa a ver com patife. Ledo engano. A origem de espatifar é controversa. Adolpho Coelho levanta a hipótese de uma derivação es- + *patifar, propriamente “abrir, rasgar as entranhas”, do latim patefacere. Outros parecem seguir a sugestão de Carolina Michaëlis de Vasconcelos "talvez de ex- patefare: ‘abrir violentamente uma porta por arrombamento’". A verdade é que permanece obscuro o étimo deste verbo. Espatifar é engraçada mas é aquilo mesmo que se pensa ser: fazer em cacos, em pedaços, despedaçar, espedaçar, fazer em retalhos, em pedaços, romper, rasgar. Também são admitidos os sentidos de dissipar, esbanjar, malbaratar (os bens).

Esbodegar

     Esta é boa. Teria alguma coisa a ver com bodega (pequeno armazém de secos e molhados)? Pois, olha, eu sempre pensei e usei o termo como alguma coisa semelhante a espatifar ou esborrachar. Os dicionários dizem que é arruinar, estragar, escangalhar, gastar perdulariamente. De acordo com a etimologia, a origem é duvidosa. Seria proveniente de es- + bodega (coisa ordinária, reles, imprestável') + -ar.

Escangalhar

     O termo aparece na definição de esbodegar e significa desarranjar, desconjuntar, arrebentar, estragar, arruinar, destruir e, ainda, rir descontroladamente, que nada tem a ver com as anteriores. Sempre o usei como estragar, destruir.

     Imaginem a seguinte frase:

João se sentiu esculhambado quando se esborrachou. Por causa disso, os copos que trazia na mão se espatifaram, seu relógio se esbodegou todo e o celular escangalhou.

     Que Chomsky me desculpe, mas ninguém nasce sabendo falar assim...

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http://pt.wikipedia.org/wiki/Noam_Chomsky
http://pt.wikipedia.org/wiki/Steven_Pinker
http://www.nce.ufrj.br/ginape/publicacoes/trabalhos/RenatoMaterial/psicolinguistica.htm

Curiosidade

Chomsky tem recebido créditos de várias bandas. O grupo musical Rage Against the Machine leva cópias de seus livros em suas turnês. A banda Pearl Jam tocou pedaços de falas de Chomsky mixadas com algumas de suas músicas. O R.E.M. convidou o linguista para palestrar antes de seus shows, o que Chomsky recusou. Discursos de Chomsky têm sido apresentados em lados B dos álbuns da banda Chumbawamba e outros grupos. O cantor e ativista político Bono Vox, do grupo irlandês U2, disse que “se o trabalho de um rebelde é derrubar o velho e preparar o novo, então este é Noam Chomsky, um rebelde sem pausas, o Elvis da Academia”.

Um comentário:

Clara disse...

Meu amor, tens ido à lugares onde poucos conhecem.
É um privilégio conviver e aprender contigo!