Paula mandou seu filho, Daniel, ao supermercado. Pediu-lhe que comprasse um pote de mumu, uma caixa de omo, uma caixa de bandaid e uma de cotonetes. Daniel resmungou qualquer coisa, pegou o dinheiro com a mãe e saiu, meio a contragosto, porque estava na penúltima fase de Final Fantasy XIII, seu mais recente game.
Menos de meia hora depois estava de volta. Largou a sacola do mercado sobre a mesa da cozinha e, sem nem olhar para a mãe disse, entre dentes, pra ela ver se estava tudo certo. Voltou ao PlayStation sem esperar pela resposta.
Paula pegou a sacola e começou a esvaziá-la. Tirou um pote de doce de leite “Da Colônia”, uma caixa de sabão em pó “Ariel”, uma caixinha de bandagem adesiva “York” e outra de hastes flexíveis da mesma marca.
Teria Daniel comprado os produtos errados?
Acho que não. Paula não reclamou e gritou lá da cozinha: “– Obrigada, meu filho! Era isso mesmo que eu queria”!
Pode parecer uma historinha estranha, sem pé nem cabeça, mas tem sentido. Usei-a como mote para falar de marcas que se identificam com produtos. Ocorreu-me o assunto ao ver na TV um monge budista gaúcho que está vivendo num mosteiro, no Himalaia. Em determinado momento ele disse que, entre outras coisas, sentia saudades de mu-mu. Titubeou um segundo e completou: “— Doce de leite!”
Então vejamos. Barbear-se com gilete, tirar uma xerox, usar uma calça de lycra e limpar as orelhas com cotonete são coisas comuns de se fazer ou ouvir dizer no cotidiano. Nem sempre, no entanto, a barba é feita com lâminas Gillette, as fotocópias são obtidas através de uma máquina da Xerox, a calça de fio elastano é da DuPont ou são usadas hastes flexíveis da Johnson&Johnson. Pode-se perfeitamente usar lâminas de barbear Bic; fazer cópias numa máquina Minolta; vestir roupas de elastano de qualquer marca; e limpar as orelhas com palinetes York.
Quando Paula pediu que Daniel comprasse mumu, referia-se a doce de leite; ao falar omo, queria sabão em pó; bandaid, pra ela e todo mundo, é curativo adesivo; cotonete é haste flexível, normalmente de plástico com tufos de algodão nas duas pontas.
A explicação pra isso é que muitas marcas se sobressaem e se tornam sinônimos de categoria por terem se antecipado a produtos similares no mercado. Desse modo, tornaram-se referência para os consumidores, cedendo seu nome a uma categoria de produtos.
Algumas marcas virarem sinônimo de categoria de produto, além de ser uma questão de marketing, é, também, um fenômeno linguístico. Identificar os produtos com o nome de determinada marca tornou-se tão usual que os dicionários já contêm verbetes como Bandaid (Curativo antiséptico autoadesivo), Maisena (Produto industrial constituído por amido de milho, e com que se fazem mingaus, pudins, cremes etc.), Lycra (Tecido sintético, dotado de elasticidade, empregado na confecção de maiôs, biquínis, calças, roupas íntimas etc.), Gilete (Qualquer lâmina descartável de barbear, usada para esse ou outros fins, com ou sem o aparelho que a sustenta em posição própria para ser utilizada), Xerox (Diz-se de ou fotocópia obtida por meio de tal máquina), Cotonete (Haste, geralmente flexível, cujas extremidades são recobertas de algodão, empregada especialmente para fins higiênicos e também para limpar superfícies, cavidades pequenas etc.).
Pesquisando sobre o assunto na internet encontrei a dúvida de uma internauta num fórum de discussão. Ela perguntava: “— Quero saber como se faz o mumu caseiro, qual a quantidade de leite e açúcar na receita pra dois litros de leite?” Obviamente ela queria saber como fazer “doce de leite” caseiro. A pergunta, porém, suscitou dúvidas em outras internautas. Ambas devolveram a pergunta sobre a receita com outra pergunta. A primeira: “— O que seria ‘mumu’ algum tipo de doce tradicional de qual região? Desculpe a ignorância e a curiosidade”. A segunda: “— Perdão, mas o que é ‘mumu’? Nunca ouvi falar”.
Mais adiante, um internauta do Tocantins explicava: “Mumu - palavra usada no Rio Grande do Sul pra chamar o doce de leite”.
Há várias entradas no Google para “Receita de Mumu da Lala (doce de leite)”. Achei bem interessante o título da receita. Lala tinha dúvidas quanto ao nome “mumu” e resolveu explicar que se trata de um “doce de leite”.
Também existe uma ladainha que corre pelos emails cujo título é “Ser gaúcho é". Lá pelas tantas, diz o texto que ser gaúcho é: “[...] achar que o GUAÍBA é rio; chamar geléia de CHIMIA e doce de leite de MU-MU [...].”
Apesar de um internauta do Tocantins ter colaborado com a definição de mumu, claro está que se trata de um caso regional de marca que se tornou sinônimo de categoria de produto.
Há uma relação bem grande de marcas associadas a produtos. As mais conhecidas são:
Aspirina – Comprimido para dor de cabeça;
Band-aid – curativo pronto para uso;
Batata Chips – batata ondulada;
Bic – caneta;
BomBril – palha de aço;
Brahma – cerveja;
Cotonetes – hastes de algodão;
Danone – iogurte;
Durex – fita autocolante;
Gillette – lâmina de barbear;
Leite Moça – leite condensado;
Lycra – tecido de poliamida;
Maizena – amido de milho;
Modess – absormente íntimo feminino;
Nescafé – café solúvel;
Nescau – achocolatado em pó;
OMO – sabão em pó;
Pinho sol – desinfetante;
Q-Boa – água sanitária;
Ray-Ban – óculos escuros;
Teflon – revestimento antiaderente (politetrafluoroetileno);
Xerox – fotocópia;
Zorba – cueca.
Uma marca ser sinônimo de categoria de produto, no entanto, não é só vantagens. Há cinco anos, a Allergan, fabricante da toxina botulínica tipo A, mais conhecida como Botox, publicou um comunicado de esclarecimento em seis grandes jornais brasileiros sobre os direitos de propriedade intelectual da marca Botox, ameaçando processar quem fizesse mau uso do nome do produto. A empresa alegou que seu produto não é sinônimo para qualquer tratamento de rejuvenescimento que existe na praça.
Embora seja marca registrada da empresa, o nome Botox estaria sendo usado para designar um sem número de tratamentos estéticos, que vão de cremes anti-idade a aplicações feitas em salões e clínicas de fundos de quintal. Anúncios apregoavam as maravilhas de cosméticos “botox like”, “botox em creme”, “botox sem agulha” ou ainda “better than botox” para efeitos de rejuvenescimento facial. (Fonte: O Estado de S Paulo - Empresas & Tecnologia - Pág B9 - 04.04.05).
Outro fenômeno interessante envolvendo nomes ou marcas, mas que não funciona exatamente como sinônimo de categoria de produto são os neologismos baseados em coisas do cotidiano, especialmente relacionados à informática e internet. Já existe, por exemplo, o verbo “googlar” (ou guglar), que significa fazer uma pesquisa na internet utilizando o motor de busca Google. A Google, no entanto, não incentiva o uso de palavras relacionadas à sua marca registrada. A empresa receia um possível desgaste da marca, como considera ter ocorrido com Xerox, Gillette, etc.
Talvez o objeto da relação que vou fazer agora já esteja esquecido pelo povo quando chegar a época de Natal, mas se poderá dizer que quem for comprar Panetones vai “arrudar”...
6 comentários:
Olá sou universitário (Publicidade e Propaganda) e achei interessantíssimo o tópico abordado, pois nunca ví algo assim antes em qualquer lugar, porém é um assunto que me tira o sossego as vezes. Parabéns e continue assim!
Obrigado, Michel. Pesquise sobre o tema no Google. Vai achar coisas bem interessantes.
Boa sorte!
Passeando pela internet deparei-me com este seu texto, bastante interessante.
Muitas vezes fazemos uso de uma metonímia - nome dado pela nossa famosa gramática para este tipo de coisa - sem perceber.
Citando um exemplo: alguém aí conhece EPS (Poliestireno Expandido)? Ok, mas, com certeza todos conhecem o ISOPOR que, na realidade, é uma marca para o produto EPS feito pela Basf alemã.
Abraços
Cahe is a Blogger
Eu sempre questiono quando ouço alguém chamando o produto pela marca! Mas eu tb cometo umas gafes de x em qdo: por exemplo, Cotonetes......é dificil acostumar a dizer Hastes Flexiveis.....
• Ades – Suco de caixinha;
• Aguardente – Tintura de jalapa;
• Aladin – Antigo lampião a gás;
• Araldite – Adesivo bi componente base epóxi;
• Arisco – Tempero pronto;
• Band-aid – Curativo adesivo;
• Barbie – Boneca;
• Batata Chips – Batata ondulada;
• Baygon – Inseticidas;
• Bic – Caneta Esferográfica;
• Blindex – Vidro temperado;
• BMX – Bicicleta aro 20;
• Bom ar – Desodorante de ambientes;
• Bombril – Palha de aço;
• Brasilit – Telha ondulada de fibrocimento;
• Caldo Knorr – Caldo de galinha em cubos;
• Caloi 10 – Bicicleta de ciclismo;
• Camelbak – Mochilas térmicas para hidratação oral;
• Catupiry – Requeijão usado em pizzas;
• Chamequinho – Papel A4 resma 100 folhas;
• Chamex – Papel A4 resma 500 folhas;
• Champanhe – Vinho branco espumante;
• Chicletes – Goma de mascar;
• Coca – cola – Refrigerante de cola;
• Comfort – Amaciante de roupas;
• Cotonetes – Hastes flexíveis com ponta de algodão;
• Danone – Iogurte;
• Diabo verde – Desentupidor de pia;
• Discmam – Tocador portátil de CDs;
• Doril – Comprimido para dor de cabeça;
• Duralex – Prato de vidro temperado;
• Duratex – Chapa de fibra de madeira;
• Durepox – Resina epóxi;
• Durex – Fita auto-colante ;
• Foguete – Fogos de artifício;
• Fórmica – Laminado plástico;
• Gás Butano – Gás de cozinha;
• Gatorade – Isotônico;
• Gillette – lâmina de barbear;
• Google – Site de busca;
• Gelol – Anti-inflamatórios
• Gran prix – Cera automotiva;
• Halls – Drops a base de menta;
• Havaianas – Sandálias de dedo;
• Insulfilm – Película protetora para vidros;
• Ipad – Tablet;
• Ipod – Tocadores de áudio digital portátil;
• Isopor – Poliestireno expandido;
• Jeep – Veículo 4x4 off-road;
• Jet-Ski – Moto aquática;
• Kadron – Escapamento esportivo;
• Ketchup – Condimento a base de tomate;
• Ki-suco – Suco em pó pequeno;
• Leite de Rosas – desodorantes brancos;
• Leite Moça – leite condensado;
• Leite Ninho – Leite em pó;
• Limpol – Detergente;
• Lycra – Fibra sintética de grande elasticidade;
• Maizena – Amido de milho;
• Makita – Serra mármore;
• Milharina – Farinha de milho;
• Miojo – Macarrão instantâneo;
• Mobilete – Ciclomotor;
• Modess – Absorvente íntimo feminino;
• MP3 – Arquivo digital com compressão de áudio;
• Mucilon – Cereal infatil;
• Nescafé – Café solúvel;
• Nescau – Achocolatado em pó;
• Nugget – Pasta para limpar sapatos;
• Nuggets – Empanados de frango;
• Omo – Sabão em pó;
• Paviflex – Piso vinílico;
• Photoshop – Software editor de imagens;
• Pinga 51 – cachaça;
• Pinho sol – Desinfetante;
• Pirex – Refratário de vidro;
• Pó Royal – Fermento em pó;
• Poliflor – Lustra móveis;
• Prestobarba – Aparelho barbear 2 laminas;
• Prosdócimo – Freezer horizontal;
• Q-Boa – Água sanitária;
• Ray-Ban – Óculos escuros;
• Repelex – Repelente de insetos;
• Sazon – Tempero em porções individuais;
• Sete Léguas – botas de borracha;
• Sensodine – Creme para dentes sensíveis;
• Skiny – Salgadinhos de milho;
• Skol – Cerveja em lata;
• Sucrilhos Kellogg’s – Cereal matinal;
• Suggar – Depuradores de ar;
• Super Bonder – Cola instantânea;
• Tampax – Absorvente intimo feminino interno;
• Teflon – Revestimento antiaderente;
• Tenaz – Cola PVA;
• Toddynho – Achocolatado em caixinha;
• Viagra – Remédio para disfunção erétil;
• Vibracall – Alerta vibratório de celular;
• Walkman – Tocador portátil de fitas cassete;
• White lub – Lubrificante em spray;
• Xerox – Fotocópia;
• Yakult – Leite fermentado;
• Zero - cal – Adoçante;
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