Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 2 de abril de 2011

Não fume a vida!


     Quando eu tinha 14 ou 15 anos, em 1964, era bonito fumar e grande o apelo para que se caísse nessa tentação. Na minha cabeça e na de meus amigos seríamos mais importantes, mais charmosos e mais machos se fumássemos, como os exemplos que víamos no cinema, na TV e na vida real. Foi assim que comecei, mesmo sem ter o modelo em casa, pois meu pai e minha mãe nunca colocaram um cigarro na boca.
nao fume
     Naquele tempo, eu e os guris da turma dividíamos os maços de cigarro que comprávamos em “súcia” com alguns trocados de cada um. Por serem escassos os recursos, os cigarros eram sempre os mais baratos, chamados de “matarratos”. Havia uma marca, Sissi longo, que era a preferida, porque seus cigarros eram maiores do que os normais. A gente cortava os cigarros ao meio e divida entre dois, três ou quatro. Depois, longe dos olhos familiares, íamos fumar escondidos em algum terreno baldio, construção ou casa abandonada.
     Tenho algumas passagens interessantes dessa época, envolvendo o cigarro. Meu pai soube que eu estava fumando por causa da escola. Eu estudava no Colégio Rosário. Os meninos do ginásio não podiam fumar nem nos arredores do colégio, só os do científico ou do clássico, que transformavam a praça Dom Sebastião num fumódromo durante o recreio e ao término das aulas. Eu, no entanto, ignorava essa proibição. Quando terminava a aula, eu e um colega íamos para o centro da praça, que era rodeada por um muro de arbusto, e dividíamos um cigarro. Uma pegadinha pra cada um. Certo dia, porém, fomos surpreendidos pelo irmão prefeito do ginásio, que resolveu dar uma “incerta”. Meu colega estava de frente pra ele e saiu correndo. Eu fui pego com a boca na botija, ou melhor, com a boca no cigarro. Imediatamente, o irmão prefeito pediu minha caderneta escolar e ordenou que meu pai fosse buscá-la. Ferrou (pra não dizer outra coisa)!
     A caderneta era o espelho do aluno e um instrumento de controle, supervisão e comunicação entre família e escola. Sempre que alguma coisa desse errado, a caderneta era recolhida e o pai ou a mãe deveriam ir buscá-la, porque sem ela não se podia entrar na escola.
     Muito inocente, disse pro meu pai que havia esquecido o livro de determinada disciplina, que era obrigatório, e que, por isso, minha caderneta fora sequestrada e ele deveria buscá-la para que eu pudesse entrar na escola. Na manhã seguinte, o prefeito recebeu meu pai no seu gabinete, enquanto eu fiquei sentado na frente da sala. Alguns minutinhos depois, o prefeito abre a porta e me chama. Entrei. Meu pai de pé, em frente à mesa do prefeito; o irmão segurando o trinco da porta para que eu entrasse; e eu com cara de cagado. Sem fechar a porta e sem soltar o trinco, o irmão prefeito me perguntou por que mesmo ele havia ficado com minha caderneta. Não tive escolha e disse a verdade. Com a caderneta na mão, fui para a aula, meu pai para o trabalho e o irmão prefeito ficou na sua sala, imagino que esfregando as mãos com um sorriso irônico.
     Meu pai não me xingou, apenas pediu que aquilo não se repetisse. Referia-se, é claro, ao ato de eu fumar, não ao fato de ter que buscar a caderneta. Prometi que não aconteceria novamente. Menti.
     Numa noite de algumas semanas depois, fui no cinema Presidente com os guris da rua. Na saída, na porta do cinema, imediatamente peguei um cigarro no bolso da camisa, coloquei-o entre os lábios e o acendi. Quando olhei pra frente, dei de cara com meu pai, que me esperava a uns cinco metros. Apressadamente, tirei o cigarro da boca, amassei-o e joguei-o no meio fio. Fiz de conta que não vi meu pai, entrei por uma das portas do restaurante ao lado do cinema e saí pela outra. Segui em frente rapidamente, com minha meia dúzia de amigos.
     Não fui direto pra casa. Ficamos um tempo na esquina, jogando conversa fora, comentando sobre o filme, etc. Eu sempre entrava em casa pela porta dos fundos, que não ficava chaveada até que eu chegasse. Naquela noite, entretanto, estava fechada. Bati e meu pai abriu-a. Antes que eu entrasse, estendeu em minha direção a mão onde estava o cigarro amassado que eu jogara fora pouco antes e me perguntou o que era aquilo. Claro que foi uma pergunta retórica. Fiquei com a maior cara de bunda, esperando a maior bronca, que não veio. Acho que aquele silêncio por trás dos olhos tristes do meu pai doeu mais do que se tivesse levado uma surra.
     Apesar do remorso, continuei fumando. Inclusive no colégio. As dependências do ginásio do Rosário eram separadas das do científico e clássico por portas de grades de ferro chaveadas. Aquelas fechaduras, no entanto, tinham a idade do colégio. Cediam a qualquer chave que se enfiasse nelas. Lá íamos nós, durante o recreio, bancando os bons na praça Dom Sebastião. A volta se dava por dentro do colégio, num caminho tortuoso que descobrimos por acaso. Essa rota envolvia a passagem pelo interior da capela. Um dia, eu e mais dois colegas fomos surpreendidos pelo irmão prefeito. Ao darmos de cara com ele dentro da capela, nos ajoelhamos e fingimos estar rezando. Saímos um de cada vez, achando que o prefeito não desconfiaria. Não adiantou. Ele vira que de onde viemos só poderíamos ter entrado por onde teoricamente não havia entrada. Fui o terceiro a sair. Quando me interpelou e perguntou onde fora e o que estava fazendo confessei que tinha ido à praça comer um cachorro quente. Mandou-me de volta à sala de aula, como fez com os que me antecederam.
     Findo o recreio, já estávamos nos acomodando nas carteiras, quando o irmão prefeito entrou na sala. Todos em silêncio, pediu licença para o professor, também irmão, e recomendou a ele que anotasse na caderneta dos meus dois colegas de aventura uma nota baixa por mal comportamento e aplicação porque tinham mentido que estavam rezando. “— Quanto ao senhor Aldo Jung – continuou –, pode dar um 10 pra ele, irmão, porque confessou estar ‘fumando’ um cachorro quente na praça”.
     Ainda há outras situações dramáticas — hoje cômicas — em que me envolvi por causa do cigarro, como a vez em que deixei cair o cigarro dentro do vestido da minha namorada. Ela estava com um vestido soltinho, preso por alças aos ombros, decotado, e não usava sutiã. Estávamos caminhando, eu com o braço sobre os ombros dela e com um cigarro entre os dedos da mão desse braço. De repente, deixei cair o cigarro, que se enfiou dentro do vestido, rolou para entre os seios dela, escorregou para mais abaixo e, depois de estacionar perto do umbigo, caiu no chão. Resultou em pequenas e esparsas queimaduras no corpinho da coitada.
 
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     Em 1984, vinte anos depois de começar a fumar, além de trabalhar na UFRGS e dar aulas na UNISINOS, comecei atividades na Rádio Guaíba. Peguei o horário das 18h às 23h. Era uma correria. Um dia, em pleno trabalho, tive uma tontura braba. Atribuí o fato ao cigarro. Imediatamente peguei o maço e o isqueiro e dei para o porteiro da noite. Parei de fumar.
     Dois anos depois, comecei de frescura, pedindo um cigarro aqui, outro ali e não deu outra: voltei a fumar, regular e covardemente, até hoje. Sem contar os dois anos em que fiquei afastado, são 46 anos desse vício maldito.
 
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     Hoje, fumantes são estigmatizados. Cada vez mais, o cerco se fecha sobre nós; cada vez restringem-se mais os locais em que se pode fumar. Precisando dar um jeito nisso, entrei num Programa de Cessação do Tabagismo. Tenho, então, três formas de dependência das quais devo me livrar: a química (nicotina); a psicológica; e a comportamental. Já consegui diminuir pela metade meu consumo. Nos próximos dias abandono totalmente esse velho companheiro das horas solitárias, que me ajuda a pensar, faz o tempo passar e me dá prazer.
     Já dói e vai doer ainda mais, mas não dá mais pra viver com o cigarro, vício considerado o pior de abandonar. Devo parar de fumar a vida!

5 comentários:

Clara disse...

Teu único vício, serei eu! Obaaaa!!!!
Parabéns pela coragem e determinação. Nunca esperei menos de ti e estou junto contigo nessa decisão.
Te amo!

Roberto A. Wild disse...

parabéns pelo esforço todo!!! Sabe-se que não é fácil.

Suzi disse...

É Aldo, não é facil parar de fumar! Consegui faze-lo fazem quase 2 anos e alguns quilos...rsrs, mas, CONSEGUI!!!
Se disser que não sinto falta, mentira! Sinto falta sim, mas resisto! Um dia de cada vez!!!
Parabéns pela tua decisão! Parar de "fumar a vida".., falou tuudoo!!

Anônimo disse...

Legal Aldinho!!!!!!Parei de fumar em 5 de março de 2009 quando "comia"duas carteiras por dia ,sendo que fui iniciada comprando cigarro "solto" e fumando em parceria com amigas,o que fazia com que a brasa tomasse conta do mesmo.Sinto vontade até hoje ,mas agora não todos os dias.Parabéns,um cara inteligente e atemporal como tu,não tem como não ser parte do processo evolutivo evolutivo.Agora! Pronto,pronto,pronto passou(leves palmadinhas) Um beijo da amiga Rosangela

Unknown disse...

Ola. Iniciei a fumar com 14 anos, mas parei esse ano, com 49. Postei uns videos de como foi em:
http://oriompinto.com.br/parar-de-fumar-em-poucos-minutos/