Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Fogo na guarita



     Já falei várias vezes neste blog sobre o bairro que moro. Em 85% delas falei mal. Assim foi em Galos de Despacho, O leste e o norte, Pichação, O pequeno infrator, As árvores do Partenon e Tô brabo com o padre. Só falei uma vez de coisa boa, que foi em Furnarius Rufus.
     Cá estou pra aumentar a estatística ruim, falando mal novamente. Neste canto distante 7,5 Km de carro (15 minutos) do marco zero de Porto Alegre, ocorreu, ontem, mais uma barbárie.
     Eram mais ou menos três e meia da tarde. Eu estava deitado, quase dormindo, quando um ruído diferente sobressaiu-se ao do vento que soprava por entre as frestas das persianas, sacudindo-as. Sonolento, fiz uma pergunta retórica a minha mulher:
     — Que barulho é este?
     Sem atentar para o ineditismo do ruído, respondeu-me que seria alguém arrastando alguma coisa na rua. Discordei. Era um ruído forte, de algo que crepitava.
     — Acho que não – disse –, barulho de coisa sendo arrastada passa. Este barulho tá ficando!
     Ela se levantou, foi a janela e me chamou:
     — Vem ver!
     Vi e fotografei.


     Tacaram fogo na guarita do guardinha!
     Ficamos apenas observando. Duas gurias de uns 12 anos estavam por ali, meio assustadas. Transeuntes passavam e ficavam olhando. Logo chegou um brigadiano. Ficou olhando de longe, conversou qualquer coisa com a vizinha do apartamento abaixo do meu e fez uma ligação do celular. Imagino que tenha sido para os bombeiros.
As meninas disseram pro “seu guarda” que “tinha uns cinco guri ali dentro”, referindo-se à guarita, e que “saíram tudo correndo e começou a pegá fogo”.
     A guarita, de madeira, fazia um belo fogo. O barulho crepitante era das folhas da árvore sob a qual ela estava. Pobre árvore. Mais uma bela árvore do Partenon sofria pela má ação dos homens (no caso, guris, segundo as gurias).
     Os bombeiros chegaram em seguida, quando o fogo já estava baixo. Jogaram água sobre o que restou da guarita e na árvore, que ficou pela metade.
     À noite, chegou seu Eduardo, o guardinha. Desolado, me cobrou a mensalidade e comentou ironicamente que aquilo era obra de quem muito o amava. Disse que, apesar do infortúnio, permaneceria no posto, mesmo com a fina chuva que caía.
     Não sei se ficou. Levantei de madrugada, espiei pela janela e não o vi.

     Quando vim morar neste fim de mundo pertinho do começo da cidade, o guarda era seu João e a guarita era outra, meio descaída. Além de guarda noturno, seu João fazia uns trocos a mais molhando jardins à tarde. Era um tipo bonachão, gordo, desdentado e risonho. Trabalhava para uma “empresa” de segurança. Tinha um chefe que passava no fim do mês pra recolher a “féria”.
     Certo dia, um caminhão de porte médio perdeu os freios na descida da rua, subiu na calçada, pegou de raspão na guarita descaída e parou na parede da casa em frente. A guarita ficou ainda mais desbeiçada. Teve que ser substituída por outra, que seu João pintou com todo carinho, como se fosse sua própria casa.
     A tal “empresa” de segurança acabou desistindo do negócio, tendo em vista que muitas pessoas da redondeza também desistiram de pagar pelos serviços que prestava. Espertos. Se dois ou três pagavam o guarda, certamente este cuidaria de todas as casas da vizinhança, né?!
     Seu João, no entanto, continuou a zelar pelo patrimônio da vizinhança por conta própria. Envolveu-se emocional e, acredito, sexualmente com uma viúva que morava um pouco mais abaixo. Passava os dias com ela e, à noite, vinha para seu posto. Um belo dia, contudo, a viúva resolveu ir para o interior e levou junto seu João. No seu lugar ele deixou o Eduardo, um amigo que ficava de guarda nas suas folgas.
     Não sei se foi a ausência do seu João ou se o Eduardo não tinha o mesmo carisma. Um dia, a guarita apareceu pichada, e assim permaneceu até ontem, quando foi queimada.
     Não sei o que vai ser, agora, da “segurança” do pedaço. Imagino que o Eduardo vá querer fazer uma vaquinha entre os que o pagavam até ontem, pra erigir nova guarita. Eu fora. Acho que não precisamos de segurança. Apesar da aparência assustadora das noites por aqui, o canto fica há duas quadras de uma das mais conhecidas e famosas bocas de fumo de Porto Alegre. Se depender do Paulão, chefe do tráfico da Vila Maria da Conceição e que, atualmente, cumpre pena, no seu território não tem espaço pra bandidagem.

2 comentários:

rita fonseca disse...

Chama os Universitário pra reasolver esse problema.

Aldo Jung disse...

Vou esperar entrares na universidade, Rita.