Tem um tipo de desonesto que eu admiro, desde que eu não seja a vítima da vez. Não! Não estou falando de certos políticos. Desses, todos somos vítimas. Falo daqueles que praticam o ato de obter, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Sim, falo dos estelionatários.
Admiro-os por sua inteligência, sua lábia, sua capacidade de convencer as vítimas. Deixo de admirá-los, no entanto, quando são pegos, pois, então, por absoluta ganância, deixaram de ser inteligentes.
Em compensação, tem um tipo de mentiroso que abomino: o ignorante.
Vi na TV um caso ocorrido na Bahia. Um PM (ou ex-PM, não me lembro) tentou comprar um aparelho celular com uma identidade falsa. A vendedora desconfiou do documento porque dizia que o sujeito era “Técnico em engenharia e extrutura”. Realmente, o ignorante não se extruturou para praticar o golpe.
Usei todo esse “nariz-de-cera” para falar de um email que anda invadindo nossas caixas de entrada e que, sem sombra de dúvida, é uma mentira deslavada e de perna muito curta.
Trata-se de uma “notícia” segundo a qual a candidata à presidência, Dilma Rousseff, teria mantido um romance com uma doméstica antes de se instalar em Brasília. Vou reproduzir aqui o email para que vocês tirem suas conclusões sobre a veracidade da informação.
Diz o texto:
“Dilma Rousseff é Lésbica (sic), mas nunca quis assumir nosso romance publicamente.
A declaração é de Verônica Maldonado, uma doméstica que afirma ter tido um longo romance com a atual candidata à presidencia (sic) da república, Dilma Rousseff.
‘Nos relacionamos durante mais de quinze anos, mas quando surgiu essa oportunidade em Brasília, ela nunca mais quis saber de mim.’
Verônica afirma possuir fotos, cartas e outros documentos que comprovam a relação duradoura e pretende pleitear na justiça o direito à (sic) uma pensão mensal.
‘Afinal nós tivemos um relacionamento durante mais de qinze (sic) anos, período em que deixei de trabalhar, estudar, apenas para ficar com ela. Acho que tenho direitos como qualquer outra mulher!’
Segudo (sic) o advogado de Verônica, Dr Celso Langoni Filho, a possibilidade de ganho de causa é concreta, uma vez que sua cliente é capaz de comprovar a existência de uma relação estável e duradoura. Ele cita o caso da Justiça de Pernambuco, que tomou uma decisão inédita este mês ao reconhecer a união estável de duas lésbicas para fins de pagamento de pensão.
‘A decisão da juíza Paula Maria Malta, da 11ª vara da família e registro civil da capital pode abrir jurisprudência para que outros juízes sigam o parecer’ Afirma (sic) Celso Longoni.
Em sua decisão, a juíza alegou que o artigo 226 da Constituição diz que a família é um bem da socedade (sic) e que tem proteção especial do estado. A lei se refere ao elacionamento (sic) entre homem e mulher, mas não fala em pessoas do mesmo sexo.”
Vamos, então, desmascarar essa farsa.
O email foi divulgado em inúmeros blogs de ilustres desconhecidos, principalmente nos de antipetistas, antilulistas e antidilmistas cheios de ódio no coração. Não sei quem nasceu primeiro: o email ou a “notícia” nos blogs. Nele tem uma foto da suposta doméstica, a tal de Verônica Maldonado. Trata-se de uma moça parda, com aparência de ter, no máximo, 30 anos. Ora, Dilma Rousseff foi para Brasília em 2002 para assumir o Ministério de Minas e Energia. Ao ser abandonada, a doméstica deveria ter, então, seus 22 anos. Se o relacionamento durou 15 anos, Verônica deveria ter sete anos quando o romance começou. Além do lesbianismo denunciado, o caso seria um crime de pedofilia, fato sobre o qual o mentiroso nem se deu conta.
Outra coisa que denuncia a mentira é o nome do suposto advogado. Ora aparece como Longoni, ora como Langoni. De qualquer maneira, trata-se de um nome inventado, pois não consta advogado com esse nome em nenhuma seccional da OAB.
Em terceiro lugar, indicaria como prova da falsidade os erros de digitação do autor, que não ocorreriam em uma publicação séria: Lésbica (com maiúscula); presidencia (sem acento); qinze; segudo; Afirma (com maiúscula, no meio da frase); socedade; elacionamento.
Por fim: em alguns blogs, o título geral fala que a doméstica é mineira. Pois bem, onde teria mantido o suposto romance com Dilma? Em Minas? Ou seria no Rio Grande do Sul, onde a candidata viveu muitos anos antes de ir pra Brasília?
A única coisa verdadeira é o caso da justiça de Pernambuco que o autor mentiroso usou para ilustrar a fala do inexistente advogado da inexistente doméstica.
Pior do que o ignorante que inventou a “notícia” são os que a espalham, seja em blogs ou por email. E tem gente do meu catálogo de endereços que acreditou...
Como disse antes, abomino ignorância e burrice. Se quiserem mentir, façam-no com categoria.
Fico sem saber se classifico como estelionatário o autor da falsa notícia e como vítimas os que nela acreditaram ou se apenas classifico todos como ignorantes. Como se sabe, estelionato é o ato de obter, para si ou para outrem, vantagem patrimonial ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo em erro alguém mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento. Qual seria a vantagem em inventar uma história como essa da doméstica? Se não há nem vantagem é, então, ignorância.