Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







terça-feira, 30 de março de 2010

O ET de Palomas




     Em “Fim de espetáculo” (Correio do Povo, 30/3/2010), Juremir Machado da Silva mais ou menos que colocou na boca de um de seus ídolos, Jean Baudrillard, mas, na verdade, foi ele próprio quem disse, entre outras coisas, que as pessoas veem o Big Brother “porque são idiotas, porque nada têm para fazer, porque adoram espiar os outros pelo buraco da fechadura e porque se identificam”. Concordo com ele, especialmente em relação à primeira afirmação: eu e todos os que assistem ao Big Brother somos idiotas. E o pior é que tem Big Brother no mundo todo. Dá uma olhada na relação de países cheios de idiotas: África do Sul, Albânia, Alemanha, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Bulgária, Canadá, Colômbia, Croácia, Dinamarca, Equador, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos, Filipinas, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Índia, Israel, Itália, México, Nigéria, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Romênia, Rússia, Sérvia, Suécia, Suíça e Tailândia. É muito idiota pra um Juremir só.
     Aliás, comparada ao Juremir a raça humana é idiota. Tenho que tirar o chapéu pro cara (o Juremir, não o Lula). Ele é um ser superior, mais superior do que o falecido Paulo Francis, Diogo Mainardi e Marcelo Dourado juntos. Juremir é de outro mundo. Pela aparência e inteligência, é um ET. O ET de Palomas.
     Tô falando isso, mas eu gosto do Juremir, viu?! Como sou idiota, assino o Correio do Povo. Todas as manhãs, bem cedinho, depois do café, vou ler o Juremir no banheiro. Não preciso nem tomar Naturetti na noite anterior.
     O ET de Palomas finaliza sua crônica desse dia dizendo que também é um idiota.

Eu sou idiota. Necessito que me aceitem e elogiem pelo que sou. Se perder a timidez, tentarei participar de um reality show. Só temo não ter condições de ganhar por não ser suficientemente idiota. Posso melhorar. Estou treinando. É questão de tempo.

     Isso me deu uma idéia. Vou sugerir à Endemol que produza um Big Brother internacional só com pessoas muito inteligentes. Deveriam participar somente filósofos, sociólogos, antropólogos e outros “ólogos”, inclusive ufólogos. Estes últimos são necessários pra formar uma patotinha com o Juremir, combinar votos e tudo o mais. O Fernando Henrique se inscreveria mas não seria escolhido
     Parece que estou vendo nosso herói fazendo um omelete pro Michel Houellebecq e debatendo sobre os “neohumanos”. Me permito uma licença poética e incluo nesse reality show gente falecida. À noite, Juremir dormiria de conchinha com Jean Baudrillard no puxadinho. Na cama ao lado, Claude Lévi-Strauss, angustia-se, acreditando que vai pro paredão porque só ele entende de índio naquela casa. Na casa grande (não é uma ironia!), Gilberto Freyre cochilava no sofá, fazendo de conta ouvir Pierre Bourdieu reclamar que Boninho é muito dominador e interfere muito na sociedade que estava se formando. Enquanto isso, Einstein, o Albert, à beira da piscina, se perguntava: — O que que eu tô fazendo aqui?
     E nós, idiotas do mundo todo, estaríamos assistindo, porque não teríamos nada pra fazer, porque adoramos espiar os outros pelo buraco da fechadura e porque nos identificamos com os “heróis”... Opa! Assim não pode, assim não dá! Jamais nós, pertencentes à raça humana, ousaremos nos identificar com os sábios e o ET de Palomas.
     Não leva a mal, Jura, só não gosto de ti quando finges ser arrogante.

sábado, 27 de março de 2010

Caso Nardoni: O Big Brother Jucicial




     A mídia condenou o casal Nardoni. É a minha conclusão, sobre a qual não tenho a menor dúvida, assim como não a tiveram, mesmo sem pressentir, os jurados que votaram “sim”.
     Começo a explicar minha conclusão com a análise de uma palavra: influência. De acordo com os dicionários, influência é a “ação que uma pessoa ou coisa exerce sobre outra”; “ascendência, predomínio, poder”; “poder de produzir um efeito sobre os seres ou sobre as coisas, sem aparente uso da força ou de autoritarismo”; “ação que se exerce sobre as disposições psíquicas, sobre a vontade de determinada pessoa”; “autoridade, prestígio, crédito desfrutado por alguém numa sociedade ou num determinado campo”. Influência é o substantivo; o verbo é influir, que significa “inspirar, sugerir”; “incutir”; “transmitir”; “insuflar”; “fazer penetrar no ânimo; comunicar”.
     Coloquei “casal Nardoni” na barra de pesquisa do Google e ele apontou que há cerca de 860 mil resultados com essa expressão. Claro que não olhei todos, mas todos os que vi eram sobre o fato.
     O Google Notícias, por sua vez, indicou que, até aquele momento da pesquisa, o jornal O Globo trazia 942 artigos relacionados aos Nardoni, enquanto o Estadão, 2796. São apenas dois veículos da mídia. Imagine o número resultante da soma dos artigos de todos os jornais, revistas e da internet, mais as matérias de rádios e TVs.
     Esse números, pra mim, não constituem prova circunstancial, mas sim irrefutável de que a mídia influenciou a decisão dos jurados.
     Aliás, como os dicionários definem prova? De maneira geral, é “aquilo que atesta a veracidade ou a autenticidade de alguma coisa; demonstração evidente: ‘São inequívocas as provas de sua responsabilidade’; ‘Deu-nos uma prova de seu virtuosismo ao piano’”. Juridicamente, descrevem como “atividade realizada no processo com o fim de ministrar ao órgão judicial os elementos de convicção necessários ao julgamento”; “cada um dos meios empregados para formar a convicção do julgador”; “fato, circunstância, indício, testemunho etc., que demonstram a culpa ou a inocência de um acusado”.
     Fui jurado durante 10 anos em Porto Alegre. Nunca disse “sim” se não me tivessem demonstrado prova irrefutável da culpabilidade do réu. Prova circunstancial (a que se baseia em indícios), não me servia. O mesmo não posso dizer de alguns cidadãos e cidadãs — a minoria — que comigo dividiam o conselho de sentença. Não tenho provas, mas indícios, evidências de que, mesmo antes de ouvir as partes, já tinham a disposição de condenar. Muitos acreditam que, só pelo fato de ser oriundo de uma classe marginalizada e por estar sentado no banco dos réus, aquele indivíduo já é culpado. Se estiver preso ou tiver uma condenação no passado, então, nem se fala.
     Em Porto Alegre há sessões do Júri quase todos os dias. Cada dia um caso diferente. Em 10 anos, me lembro de ter lido notícias de uns dois ou três fatos em cujo julgamento viria a ser jurado. Isto quer dizer que chegava ao Tribunal do Júri sem saber quem era o réu e de que era acusado. Só ficava sabendo dos fatos na hora, ao ler o libelo acusatório e algumas partes do processo. Os réus, via de regra, eram moradores da periferia, desocupados ou subempregados. Muitas vezes o representante do Ministério Público pedia a absolvição por não haver sequer indícios do fato delituoso pelo qual o réu estava sendo julgado.
     Também me lembro de ter lido duas ou três vezes sobre a condenação de determinado réu no dia seguinte aos julgamentos, geralmente quando se tratava de algum traficante.
     O que eu quero dizer com isso? Que, excetuando-se aqueles poucos jurados que já saem de casa dispostos a condenar, a maioria nem sabe do que se trata o fato sobre o qual toma conhecimento na hora. Não há qualquer influência externa sobre o julgamento.
     No caso Nardoni, no entanto, a situação foi bem diferente. Pelo tipo de crime, pela condição social dos acusados e pela repercussão que teve, a mídia esteve em cima o tempo todo, praticamente durante os dois anos entre o fato e o julgamento. Um grande circo se armou em torno do acontecimento. Dias antes, durante e ainda haverá de permanecer um tempo, dezenas — senão centenas — de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas estiveram e estarão envolvidos com a divulgação de tudo o que aconteceu e ainda acontecerá em relação ao caso. O público se aglomerou em frente ao Fórum, ávido por notícias do desenrolar do julgamento. Houve queima de fogos depois da divulgação da sentença. Parecia final de campeonato brasileiro.
     Se os Nardoni fossem pessoas marginalizadas, moradoras de periferia, pertencentes a uma classe de baixa renda, o fato teria as luzes e microfones da imprensa? Não. Muitos entendem que seria uma coisa comum de acontecer em famílias dessa condição social. O fato não teria a proeminência da qual a mídia precisa.
     Este caso me lembra o Big Brother, com algumas diferenças. Durante cinco dias, sete jurados ficaram incomunicáveis com o mundo exterior, mas não podiam combinar voto; durante cinco dias, dois réus estiveram no paredão, só que, em vez de sair, vão ficar por muitos anos confinados. No Big Brother da televisão, o castigo é sair. No big brother judicial, o castigo é ficar.
     Há meses todo mundo fala no Big Brother, uns apoiando, outros condenando os hoje participantes Cadu, Dicésar, Dourado, Fernanda e Lia; há dias o Brasil fala sobre o caso Nardoni, todos condenando Alexandre e Anna Carolina. Nos dois casos acredito que haja uma ação que se exerce sobre as disposições psíquicas, sobre a vontade de determinada pessoa, ou seja, influência.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Quem ouviu o que de quem?



     Quando estive professor de radiojornalismo na Unisinos, na longínqua década de 80, uma das questões da prova que aplicava no final do semestre era a seguinte:

     Como já foi visto nas várias disciplinas que envolvem redação, em jornalismo em geral – e em de radiojornalismo em especial – deve-se escrever em ordem direta, em função de ser a mais usual e de mais fácil entendimento pelos leitores/ouvintes.

     Neste sentido, coloque em ordem direta o texto a seguir.

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas, de um povo heróico o brado retumbante. E o sol da liberdade, em raios fúlgidos, brilhou no céu da pátria nesse instante.
Se o penhor dessa igualdade conseguistes conquistar com braço forte, em teu seio, ó liberdade, desafia o nosso peito a própria morte!
Brasil, um sonho intenso, um raio vívido de amor e esperança à terra desce, se em teu formoso céu risonho e límpido, a imagem do Cruzeiro resplandece.
Do que a terra mais garrida teus risonhos lindos campos têm mais flores; nosses bosques têm mais vida, nossa vida no teu seio mais amores.

     Os alunos identificavam imediatamente o Hino Nacional Brasileiro. Claro, desde crianças cantavam de cor os versos que Joaquim Osório Duque Estrada fez para a música de Francisco Manuel da Silva. Sim, decoravam as palavras na ordem em que estavam postas, mas será que sabiam, por exemplo, “quem ouviu o que de quem”?
     Pelos resultados que obtinha, poucos sabiam e conseguiam transcrever o texto para a ordem direta.
     A questão em questão era uma pegadinha. Não valia ponto. O objetivo era apenas chamar a atenção dos futuros jornalistas para a necessidade de o redator escrever de maneira a facilitar o entendimento da notícia.
     E o leitor internauta de agora, consegue decifrar o que os jogadores de futebol cantam quando a seleção brasileira entra em campo para disputar uma partida? Não? Então anote aí.

As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico, e, nesse instante, o sol da Liberdade brilhou, em raios fúlgidos, no céu da Pátria.
Se conseguimos conquistar o penhor desta igualdade com braço forte, o nosso peito desafia a própria morte em teu seio, ó Liberdade!
Brasil, se a imagem do Cruzeiro resplandece em teu céu formoso, risonho e límpido, um sonho intenso, um raio vívido de amor e de esperança desce à terra.
Teus campos risonhos, lindos, têm mais flores do que a terra mais garrida; nossos bosques têm mais vida, nossa vida no teu seio [tem] mais amores.

     Um jornalista jamais redigiria a notícia do famoso “Grito do Ipiranga” nesses termos, com tantos adjetivos e figuras de linguagem e com tamanho ufanismo. Ao mesmo tempo, além de ser impossível obedecer à métrica que a harmonia exige ao se cantar as frases em ordem direta, as rimas seriam perdidas. A questão da prova era apenas a oportunidade de aplicar um exemplo prático, com um texto que os alunos ouviam desde crianças, mas, como eu comprovava, não entendiam o que diziam.
     Não sei como se sairiam os estudantes de jornalismo de hoje se lhes fosse aplicada a questão. Não tenho certeza, mas acho que esse tipo de coisa se estuda lá pela 7ª ou 8ª série. Acredito, então, que seja um exercício interessante a ser aplicado a alunos dessas séries do Ensino Fundamental, numa interdisciplinaridade entre Língua Portuguesa e História. Enquanto uma analisa e interpreta a letra do hino, a outra aproveita pra contar a verdade sobre a Independência do Brasil.
     Assim, os estudantes que optarem pelo curso de Comunicação no Ensino Superior não sofrerão constrangimento ao cursarem a disciplina de radiojornalismo e se depararem com um professor como eu fui para os meus alunos.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Injúria aos calouros


     Os estudantes veteranos da Faculdade de Educação da UFRGS costumam aplicar trotes saudáveis nos calouros do curso de Pedagogia. Os flauteios vão desde a tradicional pichação do corpo — sem exageros — até divertidas atividades lúdicas. Numa destas, costumam fazer os bichos caminharem pelo Campus da Universidade. Todos os anos, ao passarem pela Faculdade de Direito da mesma universidade, os acadêmicos do Direito dirigem impropérios aos calouros da Pedagogia.
     O Diretório Acadêmico da Faculdade de Educação publicou nota de repúdio aos estudantes do Direito. Eis a nota.

NOTA DE REPÚDIO DO DAFE AOS
ACADÊMICOS DE DIREITO

     O Diretório Acadêmico da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, repudia a atitude de estudantes do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Faculdade de Direito da mesma Universidade, pela atitude discriminatória ocorrida na manhã do dia 11 de março de 2010, enquanto os calouros do curso de Pedagogia realizavam suas atividades de trote.
     Ao passar pelo prédio do curso de Direito, os estudantes de Pedagogia foram agredidos verbalmente pelos estudantes do curso de Direito, que também se encontravam em atividade de trote. Estes novos acadêmicos aos gritos de "salário mínimo" e "segunda opção", assim como outras expressões de baixo calão, tentavam minimizar a importância de nosso curso e ofendendiam pessoalmente cada um que por ali passava.
     Lamentamos o fato e, principalmente, a falta de memória destes estudantes esquecidos, que, para chegar onde estão, passaram pelas mãos de diferentes pedagogos. Estes, com certeza, foram fundamentais para sua formação e acesso à universidade, mesmo recebendo, muitas vezes, um salário mínimo, mas levando sua profissão como opção de sua vida, como primeira opção.
     Este fato é recorrente. Em outras vezes, essa atitude já se repetiu o que, de fato, indigna e exige que cobremos desses estudantes e, principalmente, do Centro Acadêmico André da Rocha, que representa os mesmos, uma retratação pública, pois é inadmissível que situações como essa voltem a acontecer e/ou passem em branco.
     Reafirmamos nossa opção pela Educação, tão desacreditada, tão desvalorizada, mas essencial, sedente de mudanças, mudanças estas que estes estudantes estão dispostos a encarar e construir.
     Parabenizamos, no entanto, os calouros do curso de Direito pela entrada nesta Universidade, em um curso mais concorrido do que o nosso, mas não de maior ou menor importância. Esperamos, enfim, que a noção de JUSTIÇA e CONSCIÊNCIA SOCIAL que deverão construir durante o curso seja inversamente proporcional à noção de respeito explicitada nas atitudes do dia 11, para que possamos ser capazes de edificar uma realidade diferente.

DIRETÓRIO ACADÊMICO DA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UFRGS
Gestão 2009/2010
Lutar também é educar!

     Fico imaginando que advogados saem dos bancos universitários. Com certeza os que cometem esse tipo de deslize moral não conseguem passar pela tão criticada prova da OAB.
     Como bem diz a nota do DAFE, esses futuros bacharéis em Direito se esqueceram que pelo menos por 12 anos foram educados por professores que saíram dos bancos das faculdades de Educação; que, se não fossem estes, não estariam nas escadarias e pátio da Faculdade de Direito da UFRGS, praticando o que se chama de acusação injuriosa; doesto, afronta, vitupério, insulto, injúria.
     Espero que com o tempo e, se estudarem direitinho o Direito, conseguirão decorar o que reza o artigo 140, do Capítulo V — Dos crimes contra a honra — do Código Penal Penal Brasileiro, que diz o seguinte:

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa.

     Para se tentar por fim de uma vez a esse tipo de atitude, o ideal seria que se desse vazão ao seguinte documento:

EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA FEDERAL DA IV REGIÃO

          O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu representante em exercício perante esse R. Juízo vem, pelo presente instrumento, com fulcro nos autos do inquérito policial nº XXX/2010, oferecer DENÚNCIA contra os abaixo qualificados pelos fatos que em seguida passa a expor:
          ESTUDANTES DO CURSO DE CIÊNCIAS JURÍRICAS E SOCIAIS, acadêmicos da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto Alegre/RS.
          Consta das presentes peças que, no dia 11 de março do corrente, os acusados, em vez de estarem se ocupando das lides acadêmicas nas salas de aula ou na biblioteca, jaziam ociosamente no pátio da Faculdade de Direito da UFRGS quando, de inopino, surgiu um grupo de calouros da Faculdade de Educação, em atividade lúdica de recepção proporcionada pelos veteranos do curso de Pedagogia. Ao passar pelos futuros bacharéis de Direito, os acusados começaram a insultar as vítimas com palavras de ordem do tipo “salário mínimo” e “segunda opção”.
          Agindo assim, estão os denunciados incursos nas penas do artigo 140, caput do DECRETO-LEI Nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal Brasileiro), motivo pelo qual o Ministério Público Federal requer que, após recebida e autuada a presente denúncia, sejam os réus citados para responder até final condenação, notificando-se as testemunhas abaixo arroladas para deporem em Juízo, sob as cominações legais.

Testemunhas:
Calouros do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da UFRGS

Porto Alegre/RS, 12 de março de 2010.

sábado, 6 de março de 2010

Palavras, nada mais que palavras...




     Já escrevi neste blog sobre palavras. Em O cara disse: merda! falei sobre o uso desse “palavrão”; em A cinza vulcânica e os palavrões falei sobre as duas maiores palavras da língua portuguesa. Dizem que palavras são apenas palavras. Será?
     Acho que muito há o que se falar sobre palavras, a começar pela definição de palavra. O Dicionário Aurélio Eletrônico - Século XXI (1999) e o Dicionário Eletrônico Houaiss (2001) trazem, ambos, 14 acepções para o vocábulo palavra. O Aurélio usa 182 palavras, sem contar as dos exemplos, pra explicar o que é palavra; o Houaiss, por sua vez, usa 190 palavras. Como se vê, muitas palavras são necessárias para definir o que é palavra...
     Grosso modo, a um grupo de palavras que forma um sentido completo dá-se o nome de frase. É, portanto, muito mais fácil definir o que é uma frase do que uma palavra.
     Noam Chomsky, um linguista e filósofo norteamericano de 81 anos (também conhecido por suas posições políticas de esquerda), sugere que a capacidade para produzir e estruturar frases é inata ao ser humano, ou seja, é parte do nosso patrimônio genético. Chomsky chamou atenção para dois fatos fundamentais sobre a linguagem. Em primeiro lugar, cada frase dita ou ouvida é uma nova combinação de palavras, que aparece pela primeira vez na história do universo. Por isso, uma língua não pode ser um repertório de respostas, o cérebro deve conter alguma receita ou programa que consiga construir um número infinito de frases a partir de uma lista finita de palavras. A esse programa dá-se o nome de Gramática Universal (GU). Suas idéias influenciam significativamente as pesquisas que investigam a aquisição de linguagem pelas crianças.
     Segundo Chomsky, um cientista marciano que observasse crianças numa comunidade de linguagem única concluiria que a linguagem é quase completamente inata. Isso nós leva ao segundo fato observado por Chomsky, o ritmo que as crianças adquirem palavras e gramática sem serem ensinadas é extraordinariamente rápido para ser explicado apenas pelos princípios da aprendizagem.
     Colaborando com Chomsky, Steven Pinker, 51 anos, psicólogo e linguista canadense da Universidade de Harvard e escritor de livros de divulgação científica, diz que os bebês humanos nascem antes de seus cérebros estarem completamente formados. Se os seres humanos permanecessem na barriga da mãe por um período proporcional àquele de outros primatas, nasceriam aos dezoito meses, exatamente a idade na qual os bebês começam a falar, portanto, nasceriam falando.
     Há várias teorias sobre a aquisição da linguagem. Nem sei por que escolhi a de Chomsky, talvez por suas posições políticas e não linguísticas. Mas chega de papo cabeça, pois minha proposta inicial era falar sobre palavras.
     Palavra, aqui, como unidade da língua escrita, situada entre dois espaços em branco, ou entre espaço em branco e sinal de pontuação; como unidade mínima com som e significado que pode, sozinha, constituir enunciado. Quem sabe, ainda, como faculdade de expressar idéias por meio de sons articulados. Enfim, cada um dos dicionários que citei têm 14 acepções para palavra.
     São apenas palavras, mas quero falar especialmente de termos esdrúxulos...
     Esdrúxulo? Ô palavrinha esdrúxula! Olha só, preciso definir exdrúxulo pra poder continuar falando de outras palavras.
     Em gramática dizia-se, antigamente, que esdrúxulo era proparoxítono; em versificação, um verso que terminava em palavra proparoxítona. Informalmente, no entanto, esdrúxulo significa fora dos padrões comuns e que causa espanto ou riso; esquisito, extravagante, excêntrico. Acho que é o que todos “adquirem” quando se fala nesta palavra.
     Vamos, então, a algumas palavras esdrúxulas. Escolhi palavras começadas pelo prefixo “es”, que exprime: 1) movimento para fora; 2) privação, extração; 3) oposição; 4) iteração; 5) transformação: ; 6) redução a fragmentos; reveste sentido frequentativo ou intensivo; em alguns casos, es- equivale ao prefixo des-: escabelado/desca-belado, esfazer/desfazer, esperdiçar/desperdiçar. Frequentemente, es- é um falso prefixo, resultante da prótese de um e- em vocábulos gregos, latinos, italianos, ingleses, alemães, franceses e outros, iniciados por s.

Esculhambar

     Acho que pra todos os falantes da língua portuguesa, esculhambar é desmoralizar, avacalhar, esculachar, criticar ou repreender com violência, descompor, zombar, escarnecer, ridicularizar, estragar, danificar, deteriorar. Esculhambar tem origem duvidosa quanto à etimologia. Segundo um etimólogo, a palavra baseia-se em colhão. Diz que, primitivamente, o vocábulo significou “ficar com os testículos (colhões) feridos de tanto andar a cavalo”. Outro afirma que “está evidentemente relacionado a cu, mas o processo de formação é obscuro”. Eu sempre ouvi dizer que se dá o nome de esculhambação à festa no dia de castração de touros nas fazendas. Tem sentido, uma vez que os dicionários definem esculhambação como anarquia, desordem, confusão.

Esborrachar

     A etimologia deste termo indica que “o ato de esborrachar seria inicialmente o de rebentar pisando, apertar como comprimindo borracha cheia”. Conhece-se mais o sentido da palavra, contudo, como estatelar-se no chão, cair. Dicionários ainda atribuem ao termo o sentido de fazer rebentar, apertando ou achatando, pisar, esmagar, comprimir, bem como de esbofetear, esmurrar. Sei lá! Eu nunca esborrachei alguém nesses dois últimos sentidos.

Espatifar

     Não sei por que, mas sempre pensei que espatifar tivesse alguma coisa a ver com patife. Ledo engano. A origem de espatifar é controversa. Adolpho Coelho levanta a hipótese de uma derivação es- + *patifar, propriamente “abrir, rasgar as entranhas”, do latim patefacere. Outros parecem seguir a sugestão de Carolina Michaëlis de Vasconcelos "talvez de ex- patefare: ‘abrir violentamente uma porta por arrombamento’". A verdade é que permanece obscuro o étimo deste verbo. Espatifar é engraçada mas é aquilo mesmo que se pensa ser: fazer em cacos, em pedaços, despedaçar, espedaçar, fazer em retalhos, em pedaços, romper, rasgar. Também são admitidos os sentidos de dissipar, esbanjar, malbaratar (os bens).

Esbodegar

     Esta é boa. Teria alguma coisa a ver com bodega (pequeno armazém de secos e molhados)? Pois, olha, eu sempre pensei e usei o termo como alguma coisa semelhante a espatifar ou esborrachar. Os dicionários dizem que é arruinar, estragar, escangalhar, gastar perdulariamente. De acordo com a etimologia, a origem é duvidosa. Seria proveniente de es- + bodega (coisa ordinária, reles, imprestável') + -ar.

Escangalhar

     O termo aparece na definição de esbodegar e significa desarranjar, desconjuntar, arrebentar, estragar, arruinar, destruir e, ainda, rir descontroladamente, que nada tem a ver com as anteriores. Sempre o usei como estragar, destruir.

     Imaginem a seguinte frase:

João se sentiu esculhambado quando se esborrachou. Por causa disso, os copos que trazia na mão se espatifaram, seu relógio se esbodegou todo e o celular escangalhou.

     Que Chomsky me desculpe, mas ninguém nasce sabendo falar assim...

______________
http://pt.wikipedia.org/wiki/Noam_Chomsky
http://pt.wikipedia.org/wiki/Steven_Pinker
http://www.nce.ufrj.br/ginape/publicacoes/trabalhos/RenatoMaterial/psicolinguistica.htm

Curiosidade

Chomsky tem recebido créditos de várias bandas. O grupo musical Rage Against the Machine leva cópias de seus livros em suas turnês. A banda Pearl Jam tocou pedaços de falas de Chomsky mixadas com algumas de suas músicas. O R.E.M. convidou o linguista para palestrar antes de seus shows, o que Chomsky recusou. Discursos de Chomsky têm sido apresentados em lados B dos álbuns da banda Chumbawamba e outros grupos. O cantor e ativista político Bono Vox, do grupo irlandês U2, disse que “se o trabalho de um rebelde é derrubar o velho e preparar o novo, então este é Noam Chomsky, um rebelde sem pausas, o Elvis da Academia”.

quinta-feira, 4 de março de 2010

As árvores do Partenon



     Elas estavam lá desde sempre, imponentes, com suas folhas verdes, de pé sobre o tapete verde, ao pé do morro. Dezenas de espécies aladas faziam delas suas moradas, seus pontos de passagem. Eram um pedaço do grande pulmão que ajudava a purificar o ar de um povoado que surgia.
     Com o passar do tempo, o povoado tornou-se um complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional dedicada a atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural. A cidade virou, então, uma metrópole.
     Para tornar-se o que é, trocou o tapete verde por largos quadriculados cobertos de pedras e asfalto, devastou a população de árvores nativas e, consequentemente, afugentou dezenas de espécies aladas.

     Uma das coisas de que gosto neste bairro meio ânus em que moro são as árvores que ainda sobrevivem às necessidades de uma metrópole. São poucas, mas existem em maior número do que noutros bairros de mais status. Eu gosto delas. Devem saber de todas as histórias do surgimento do Partenon; devem conhecer todas as pessoas que descansam em suas sombras quando sobem o morro nas tardes de calor. Já contei doze espécies de pássaros (incluindo as pombas) que, como eu, também gostam delas. Na primavera, os sabiás me acordam lá pelas quatro da madrugada. Não me importo. Reconheço na algazarra deles a renovação da vida. No outono elas me deixam ver mais longe, onde já não vivem mais suas irmãs.
     Fico indignado, vez que outra, quando algum enorme caminhão com seu alto baú desce a rua tirando fininho do meio fio, levando junto grandes galhos desses meus objetos de admiração. Imagino que agem como pilotos de caça que, em rasantes, bombardeiam e metralham os inimigos sem dó nem piedade.
     Pelo menos uma vez por ano funcionários da prefeitura vêm “podar” as árvores de um dos lados da rua em que no meio delas passam os cabos de energia e comunicação. Por que não os fizeram subterrâneos? As árvores ficam como alguém de quem arrancaram alguns dentes.
     No meio da manhã de hoje ouvi uma falação de vozes masculinas. Eram funcionários da prefeitura que haviam chegado num caminhão e descarregavam uma escada, cones de sinalização, varas com ganchos nas pontas e uma motosserra. Reuniram-se em torno de uma árvore que fica na esquina enviesada à do meu prédio. Não entendi. Os cabos não passam daquele lado da rua. Em seguida, um deles usou a escada para subir na árvore. Outro alcançou-lhe a motosserra, a quem imediatamente fez roncar ensurdecedora e assustadoramente. Não o via, pois as ramas o escondiam. Nenhum galho caiu e a motosserra foi desligada. Ouvi o homem gritar “— Não tá cortando!”. Ótimo — pensei —, talvez desistam. Que nada.
     O telefone tocou. Fui atender e não voltei para a sacada. De repente ouvi um grande estalo. Olhei pela janela e vi o maior galho da árvore caído inerte no meio da rua. Um dos homens perguntou: “— Era isso que tu queria?”.


     Fiquei sem saber o sentido exato da pergunta: se ele queria mesmo saber o que perguntou ou se repreendia o outro pelo que acontecera. Enfim, não importa o sentido. O estrago estava feito. Ou não seria um estrago e sim um desejo concretizado?
     Ficaram alguns minutos em volta da árvore e do grande galho morto no meio da rua. Fumavam. Pareciam estar num daqueles velórios em que se vai por obrigação e não por estar sentido com a morte do morto.


     Mais meia hora de motosserra azucrinando os ouvidos da vizinhança e o galho caído já estava picotado e jazendo sobre a calçada, aos pés do tronco e dos outros dois grandes galhos que sobreviveram dessa vez. As folhas já não eram tão verdes.


     Ainda estou sem saber o porquê disso.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Lila em Bombinhas II - o retorno




     Estamos de volta ao Rio Grande e à Porto Alegre. Não aconteceu tudo como pensei e escrevi na postagem anterior. A maioria dos eventos ocorreu de forma melhor. De ruim, descobri que nem em Bombinhas sou rei. Talvez porque não seja argentino. A única exceção se refere ao tratamento que nos é dado por Liane, a administradora do Residencial Luanda, onde nos hospedamos. Como sempre, tratou-nos como rei, rainha e animalzinho de estimação do reino. Mas não é por nada: sem falsa modéstia, eu e Clara somos pessoas agradáveis, simpáticas e de bom convívio. A Lila só não é simpática algumas vezes.
     Vamos aos fatos.

A viagem

     Como planejado, partimos às seis da manhã, com o carro lotado e Lila presa ao cinto de segurança do banco traseiro. Desacostumada, ficou a lamentar a situação de não poder estar no colo da dona. Alguns gritos depois, acalmou-se um pouco e atravessamos a BR-290 com tranquilidade.
A primeira parada foi no Maquiné, na RS-030, um pouco antes da Estrada do Mar. Nos revezamos pra tomar café: enquanto eu me servia, Clara ficou com Lila, e vice-versa. Ela estava achando aquilo tudo muito estranho. Presa à guia, andava de um lado a outro cheirando as pernas de todos que entravam e saiam do Maquiné.
     Devidamente alimentados, nos pusemos novamente a caminho do paraíso. A RS-389, conhecida como Estrada do Mar, era nossa rota até Torres. Nesse recomeço, Lila mostrou-se bem mais irritada e confusa do que na saída de Porto Alegre. Não parava de latir e de lamentar sua condição canina. Não deu outra: tivemos que parar em plena estrada e ministrar-lhe Acepran, um neuroléptico e tranquilizante em gotas para cães e gatos, receitado, é claro, por um veterinário. Como se faz isso? Simples: pinga-se o remédio numa colher e recolhe-se o conteúdo com uma seringa para, em seguida, enfiar guela abaixo da cãzinha.
Santo remédio. Pouco tempo depois estava chapada: olhos pequenos, pernas bambas e sem forças para latir. De vez em quando, dizia “uinf”, bem baixinho. Surpreendentemente não dormiu.
     O plano era almoçar no Restaurante do Japonês, em Sombrio. Passamos direto. Eram recém 10h20. Meus conhecimentos de BR-101 se reportavam ao ano passado, por isso achei que chegaríamos nesse ponto ao meio-dia. A estrada, no entanto, é outra. Se não houver acidente ou caminhão estragado nos desvios e trechos de mão dupla, a viagem flui normalmente. Há vários trechos com duas pistas de ida e duas de volta (e vice-versa, dependendo do ponto de partida).
     Resultado disso: chegamos na Ferju ao meio-dia. Ferju é uma grande loja de beira de estrada, em Imbituba, de artigos de cama, mesa, banho e vestuário. Milhões de peças ficam penduradas nas milhares de araras e prateleiras espalhadas em – calculo – mil metros quadrados. Por vários quilômetros, tanto na ida como na volta, se veem outdoors da Ferju a beira da BR anunciando seus produtos a preços muito baixos. Na verdade, os produtos baratos são de qualidade muito duvidosa, inclusive na aparência. De resto, os preços são os mesmos encontrados nas melhores lojas do ramo. Mas sempre é bom dar uma olhadinha.
     O local é ponto de parada de ônibus de excursões. Ao lado da Ferju tem um restaurante, o Vitória Régia, onde fomos almoçar. A Lila ficou dentro do carro. Estava chapada mesmo. É buffet livre e a comida não vale o preço que se paga. Acho um saco essa coisa de ter que servir de tudo no mesmo prato. Além disso, o local onde ficam os alimentos – cujo nome é buffet –, deve ter sido fabricado por portugueses ou catarinas. Ou uma sociedade entre ambos. A fila começa pelos pratos quentes. Ridículo. Têm umas quato opções e começam as saladas. Na ponta ficam as sobremesas. Faz-se a volta e têm mais saladas. Depois há outros pratos quentes. Sobre as comidas tem um toldo encurvado de acrílico transparente, cuja parte de baixo fica na altura do peito de quem está se servindo. Tentei pegar um pedaço de carne que estava do outro lado e tive que fazer uma ginástica. O dono do Vitória Régia estava ali e me cutucou. Olhei pra ele, que me repreendeu, fazendo com a mão o sinal de não, ou seja, que eu não poderia pegar alimentos do outro lado, mas sim seguir a fila. Só em Imbituba mesmo. Pedi uma cerveja sem álcool e estava quente. A sobremesa era sagu e salada de frutas...
     Se um dia visitarem a Ferju no horário do almoço, é bom levar um sanduíchinho na lancheira. O Vitória não tem nada de Régia.
     A viagem seguiu pela BR-101 sem percalços. Perto de Florianópolis paramos num posto pra nós três fazermos xixi e dar água pra Lila. Nós fizemos. Ela já tinha feito no carro...
     A partir daí só foi, até Bombinhas, onde chegamos às três da tarde, sob 82 graus centígrados de calor. Além de tirar tudo do carro, ainda tínhamos que ir ao supermercado fazer compras.

Bombinhas

     O município de Bombinhas é dos tantos recortes da natureza que caíram no chão de Santa Catarina, conferindo a esses locais uma anatomia diferenciada. Para se chegar lá é preciso atravessar por Porto Belo. O município é composto por vários balneários: Galheta, Bombas, do Ribeiro, Bombinhas, Prainha, Embrulho, Lagoinha, Sepultura, Retiro dos Padres, do Biguá, dos Ingleses, Quatro Ilhas, do Caeté, do Atalaia, Mariscal, Canto Grande, Conceição, da Tainha, Porto da Vó, Canto Grande de Dentro, Morrinhos, Zimbros, Triste, do Cardoso, Vermelha, da Lagoa, do Cantinho.
     Confesso que só conhecemos Bombas, Ribeiro, Bombinhas, Quatro Ilhas e Mariscal.
     O Residencial Luanda fica em Bombinhas, a duas quadras do mar.

O comércio

     Além de dois supermercados meia-boca, Bombinhas tem lojinhas como em todo e qualquer balneário do mundo, que vendem moda praia, acessórios para praia, enfeites e decoração. De produtos típicos da região só há camisetas com desenhos referentes a praias em geral com o texto Bombinhas-SC. Muito original. Não existe um artesanato da cultura local. De artesanal só a pesca mesmo. E, convenhamos, não dá pra trazer um peixe de lembrança.
     Há vários restaurantes. Os pratos são os mais variados: camarão soltinho, camarão alho e óleo, anchova grelhada, camarão soltinho, camarão alho e óleo e anchova grelhada, além disso, tem camarão soltinho, camarão alho e óleo, anchova grelhada, camarão soltinho, camarão alho e óleo e anchova grelhada. Num que outro tem lagosta e noutro que um tem lagosta. Mas o preço é só pra argentinos.
     Também há restaurantes mais populares, onde o buffet tem as mesmas comidas que comemos aqui, inclusive rodízio de pizzas. Muito original.
     À noite, todos os retaurantes da rua principal têm música ao vivo. Num tem um cara com violão que toca axé, noutro tem um cara com violão que toca sertanejo, noutro tem um cara com violão que toca MPB, noutro tem um cara com violão que toca de tudo, desde axé até Pink Floyd. Neste, o cara era muito bom. Ah! Tem um com uma banda de reggae. Um detalhe bizarro: como os restaurantes são próximos um do outro, ao se passar na rua, quando se está no meio de dois ouve-se uma mistura de axé com sertanejo, ou de sertanejo com MPB, ou de MPB com reggae, ou de R.E.M. com axé.
     Pra quem é bem turista mesmo, várias embarcações fazem passeios pela região, com paradas pra mergulho, pra pesca, pra nadar ou simplesmente pra almoçar ou lanchar na Ilha de Porto Belo ou numa das pontas de Bombinhas. Tem também Banana Boat e Parasiling pra quem quer uma aventura um pouco mais radical.

Os veranistas

     Em Bombinhas veraneia gente de vários estados, com predominância para gaúchos e paranaenses. Além de brasileiros, há outros representantes do Mercosul: argentinos, paraguaios e uruguaios. Os primeiros são a grande maioria.
     Os estrangeiros são, em geral, bem comportados. O mesmo não se pode dizer dos brasileiros, especialmente de alguns paranaenses. Não são curitibanos, mas sim do interior daquele Estado. Imagino que quem veraneia num lugar como Bombinhas sejam pessoas pertencentes a uma classe mais favorecida. Isso não quer dizer, entretanto, que o gosto musical e a educação sejam compatíveis com condição financeira dessas pessoas. Os carros deles têm som potente e ouvem a todo volume músicas sertanejas, axé e funk.
     Uma coisa que se procura ao ir pra um lugar desses é sossego. Acorda-se mais tarde do que normalmente, vai-se à praia, volta-se sem hora pra almoçar e, depois, a boa e inevitável sesta. Isso é o que, acredito, façam todas as famílias normais. Alguns idiotas, contudo, gostam de visitar parentes justamente na hora em que a gente está puxanto um ronquinho, lá pelas três da tarde. Acorda-se assustado, repentinamente, com Zezé de Camargo e Luciano chorando no ouvido da gente e uma gritaria histérica de quem parece que não se vê há 80 anos.
     No domingo de carnaval acordamos assim, à tarde. Era na casa em frente. Chegaram três carros cheios de adultos adolescentes. O que se há de fazer? Aguentar. Mas tolerância tem limites. Depois das sertanejas veio axé; depois do axé veio o funk. A gota d'água foi aquela da velocidade seis, gravada pela – pasmem! – Mulher Melancia. Não aguentei mais. Desci, abri as portas e o porta-malas do carro, coloquei Iron Maiden ao vivo a todo volume, depois troquei por Metallica. Nosso carro tem potentes alto-falantes, chegava a tremer. Quem passava na rua apenas ria, olhando para um lado e para outro, sem entender nada ou justamente rindo porque entendia. Não sei se esses transeuntes gostavam de funk ou de heavy metal ou de nenhum dos dois. Funcionou. Eles baixaram a bola e em seguida foram embora.
     Aliás, não entendo por que na praia só toca esse tipo de música. Em Bombinhas, todos os restaurantes na beira da praia tocam Ivete Sangalo, Cláudia Leite, Daniela Mercury e outros baianos. Será que é só porque na Bahia tem praia?

A praia

     A faixa de areia em Bombinhas é bem estreita. Às 10 da manhã é difícil achar um lugar pra instalar guarda-sol e cadeiras. Sabendo disso, o “condomínio” de banhistas convive pacificamente, praticamente com um sentado no colo do outro. Nos abancávamos em frente a um restaurante chamado Mais Verão, onde a cerveja era sempre beeeem gelada, tão geladinha que era impossível tomar uma só.
     O mar dispensa maiores comentários: é de Santa Catarina. Água transparente e morna. Para o meu gosto, no entanto, o mar de Bombinhas tem um grande defeito: não tem ondas nem pra pegar jacaré. Logo eu, um surfista acostumado às ondas gigantes de Tramandaí e Capão da Canoa, tendo que me banhar naquela piscina. Não acreditam? Olhem minha foto da década de 80.
     Em Bombas e na praia do Ribeiro a situação é igual, mas em Mariscal, lá sim, tem ondas bem legais e a faixa de areia é extremamente larga.

     Neste veraneio, a Prefeitura de Bombinhas resolveu dar uma moralizada nos costumes e no comércio da beira da praia. Até o ano passado era comum se ver vendedores de tudo quanto é quinquilharia circulando entre os banhistas. Agora só os credenciados, que têm que pagar bem carinho por um alvará.
     Outros pontos da moralização que constam de cartazes afixados nas entradas para o mar dizem respeito à proibição explícita de levar animais para a orla e a recomendação pra não deixar lixo na areia. Vimos, contudo, alguns animais. Se tinham dono ou não, não sei. Rebeldemente desrespeitando a proibição, levamos a Lila pra conhecer o mar numa tarde. Atravessamos quase toda orla e fomos até o trapiche de onde saem e chegam os barcos das escolas de mergulho. É um local de orla curta, cheio de pedras e com água bem transparente. Ali, aprendizes de mergulho dão suas primeiras olhadas sob a água. A Lila adorou a experiência. Se nunca tinha visto, entrar no mar, então, nem imaginava que pudesse acontecer. Foi só colocá-la na água pra começar a nadar o famoso estilo “cachorinho”.

     Na volta, justamente nesse dia, vimos o primeiro fiscal da prefeitura na beira da praia. Claro que veio nos pedir pra sair dali e caminhar com o animal na avenida. No princípio ficamos envergonhados por termos sido pegos em “contravenção”. Depois entendemos que seria melhor pra Lila não voltar mais àquela areia cheia de latinhas de cerveja, sacos plásticos, cocos verdes e saídas de esgoto contendo o que argentinos, gaúchos e paranaenses não aproveitam no organismo. Entendemos que não seria a Lila a contaminar a areia, mas sim o contrário, já que ela é vacinada com regularidade e toma banho seguidamente.

Shaidi

     Não sei se é assim que se escreve, mas é assim que é chamado o cachorro da administradora do Residencial Luanda. É um labrador enorme, bonito e muito dócil. Já nos conhecíamos desde o ano passado. Quando nos viu chegar veio em nossa direção abanando o corpo todo e trazendo na boca uma folha seca pra nos ofertar, como costuma fazer com quem simpatiza.
     O Shaidi é uma figura. Todas as tardes, quando saíamos pra passear com a Lila ou pra ir ao supermercado, ele ia junto. Vai cheirando tudo que é montinho e marcando território em todos. Acho que por dentro é só uma grande bexiga. Anda um pouco ao lado da gente e depois vai em frente. Se resolvíamos dobrar uma esquina por onde ainda não tínhamos passado, bastava eu assoviar e ele olhava pra trás. Eu apontava a direção com o dedo e ele voltava, entrando direitinho na rua indicada.
     Quando íamos ao supermercado, Clara entrava e eu ficava do lado de fora segurando a Lila pela guia. Shaidi sentava-se ao meu lado e ficava esperando a hora de voltarmos.
     Na última semana do veraneio, o filho da Clara estava consosco. O Shaidi foi junto conosco para a beira da praia. Se aparecesse algum fiscal seria fácil dizer que não sabia quem era, pois anda sem coleira (o cachorro, não o fiscal). A primeira coisa que fez foi dar um mergulho para, em seguida, rolar-se na areia. Caminhou ao nosso lado até uma das pontas da praia e, na volta, sentou-se conosco (Clara e eu nas cadeiras; ele e o filho da Clara no chão). Se o rapaz fosse meu filho seria a cena da família perfeita.

A volta

     O retorno foi tranquilo como a ida. Com o filho da Clara junto, a Lila ficou mais calma, pois, além de estar mais acostumada, não estava sozinha no banco traseiro.
     Chegamos em Capão da Canoa ao meio-dia. Fomos dar uma olhadinha no mar e ficamos com uma saudade enorme de Bombinhas. Trágico: água marrom e cheiro de peixe no ar.
     De bom o almoço no Maquiné com minha linda filha Manuela, que veraneia em Capão.