Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







terça-feira, 27 de setembro de 2011

Para evitar recidivas I

     Muitos já leram a expressão do título em bulas de medicamentos, geralmente para doenças infecciosas. Recidiva é o substantivo feminino do adjetivo recidivo, que é aquele que reincide, que torna a errar, ou aquilo que reaparece (no caso de um sintoma ou doença). Em direito penal recidiva é, então, uma recaída na mesma falta, no mesmo crime; reincidência. Em medicina, é o reaparecimento de uma doença ou de um sintoma, após período de cura mais ou menos longo; recorrência.
     Vai daí que devem estar me perguntando: tá, e daí? Daí que respondo: é que nas próximas duas postagens vou falar sobre alguns emails que, volta e meia (leia-se há alguns anos), reaparecem na minha caixa de entrada, ou seja, são recidivas de uma infecção viral que vou classificar como ignorância.
     Um deles é sobre um benefício pago pela previdência social chamado “auxílio-reclusão”; outro é sobre uma tal de “justiça volante”; e por fim um sobre uma emenda à Lei nº 11.915, que instituiu o Código Estadual de Proteção aos Animais, no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul.

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     Eu já li várias vezes na internet que é para desconfiar de emails com textos sensacionalistas, em que o autor usa muitas exclamações ou interrogações ao final das frases. Pois nesses três casos, os textos dos emails são assim.

Nesta postagem vou tratar do auxílio-reclusão e da justiça volante.

AUXÍLIO-RECLUSÃO

Assunto: Portaria nº 48, de 12/2/2009, do INSS

DIVULGUEM AO MÁXIMO

Incrível !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

As Centrais Sindicais chiaram com o "aumento" do salário mínimo p/ R$ 545,00, porém não estão discordando do aumento do "salário presidiário" para R$ 810,00!
Será que os sindicalistas e os governantes do Brasil acreditam que um criminoso merece uma remuneração superior a de um trabalhador????
A REFERIDA PORTARIA JÁ FOI REVOGADA PELA DE Nº 333, DE 1º/06/2010 NA QUAL O VALOR DO SALARIO FAMILIA PRESIDIARIO PASSOU A SER DE R$ 810,18 ! ! ! E TEM MAIS. . .
NO CASO DE MORTE DO "POBRE PRESIDIÁRIO", A REFERIDA QUANTIA DO AUXÍLIO- RECLUSÃO PASSA A SER "PENSÃO POR MORTE".
O GRANDE LANCE É ROUBAR OU MATAR PARA SER PRESO E ASSIM SUSTENTAR CONDIGNAMENTE A SUA PROLE.
ISTO É INADMISSÍVEL ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! ! INCENTIVO À CRIMINALIDADE ! !

Você sabe o que é o AUXÍLIO RECLUSÃO?

Todo presidiário com filhos tem direito a uma bolsa que, a partir de 1/1/2010 é de R$ 798,30 por filho para sustentar a família, já que o coitadinho não pode trabalhar para sustentar os filhos por estar preso. Mais que um salário mínimo que muita gente por aí rala pra conseguir e manter uma família inteira.
Ou seja, (falando agora no popular pra ser entendido):
Bandido com 5 filhos, além de comandar o crime de dentro das prisões, comer e beber nas costas de quem trabalha e/ou paga impostos, ainda tem direito a receber auxílio reclusão de R$ 3.991,50 da Previdência Social.
Qual pai de família com 5 filhos recebe um salário suado igual ou mesmo um aposentado que trabalhou e contribuiu a vida inteira e ainda tem que se submeter ao fator previdenciário?
Mesmo que seja um auxílio temporário, prisão não é colônia de férias.
Isto é um incentivo a criminalidade. Que politicos e que governo é esse?????
Não acredita?
Confira no site da Previdência Social.

Portaria nº 48, de 12/2/2009, do INSS
http://www.previdenciasocial.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22

Pergunto-lhes:

1. Vale a pena estudar e ter uma profissão?
2. Trabalhar 30 dias para receber salário mínimo de R$545,00, fazer malabarismo com orçamento pra manter a família?
3. Viver endividado com prestações da TV, do celular ou do carro que você não pode ostentar pra não ser assaltado?
4. Viver recluso atrás das grades de sua casa?
5. Por acaso os filhos do sujeito que foi morto pelo coitadinho que está preso, recebe uma bolsa de R$798,30 para seu sustento?
6. Já viu algum defensor dos direitos humanos defendendo esta bolsa para os filhos das vítimas?

MOSTRE A TODOS O QUE OCORRE NESSE PAÍS!!!

(Obs: não formatei com as cores e o tamanho da fonte do email original)

      Pois bem, recebi de novo esse email nessa semana, acho que pela 20º vez, como tem acontecido desde o primeiro mandato do presidente Lula. A aberração começa pelo “assunto”: Portaria nº 48, de 12/2/2009, do INSS. Ora, estamos em setembro de 2011 e o número das portarias do INSS já deve andar pela casa dos 500. Depois de várias interjeições e expressões entre aspas, o autor pergunta se o leitor sabe o que é o auxílio-reclusão. Na primeira linha diz que é uma “bolsa” de R$ 798,30 que, a partir 01/01/2010 todo presidiário com filho tem direito.
     Ué? A data não era 12/02/2009? O valor não era R$ 810,00 como diz no começo do email?
     Em seguida, diz que um bandido com cinco filhos recebe R$ 3.991,50 da Previdência Social (Isso é o resultado de R$ 798,30 vezes 5).
     Logo após, deduz que esse benefício é um “incentivo à criminalidade”, questiona que políticos e que governo é esse (SIC) e dá um link para o leitor conferir no site da Previdência Social. Como normalmente os leitores não conferem, acabam passando adiante a mensagem e junto com ela um atestado de ignorância. Se conferissem, veriam que não é nada disso que está posto no email.
     Sugiro que o meu leitor confira clicando aqui. Se, no entanto, não quiser, dou uma breve explicação.
     “O auxílio-reclusão é um benefício devido aos dependentes do segurado recolhido à prisão, durante o período em que estiver preso sob regime fechado ou semi-aberto. Não cabe concessão de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado que estiver em livramento condicional ou cumprindo pena em regime aberto.
     Para a concessão do benefício, é necessário o cumprimento dos seguintes requisitos:

- o segurado que tiver sido preso não poderá estar recebendo salário da empresa na qual trabalhava, nem estar em gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço;
- a reclusão deverá ter ocorrido no prazo de manutenção da qualidade de segurado;
- o último salário-de-contribuição do segurado (vigente na data do recolhimento à prisão ou na data do afastamento do trabalho ou cessação das contribuições), tomado em seu valor mensal, deverá ser igual ou inferior aos seguintes valores, independentemente da quantidade de contratos e de atividades exercidas, considerando-se o mês a que se refere: (segue-se uma tabela de valores, cujo mais recente é a partir de 15/7/2011 – R$ 862,60 – Portaria nº 407, de 14/07/2011.)” reclusão

     Enfim, só têm direito ao benefício quem for SEGURADO, ou seja, quem contribui mensalmente para a Previdência Social, o auxílio é limitado a quem ganha até R$ 862,60, e este valor é dividido entre todos os dependentes (no caso do exemplo do email, cada filho ganharia R$ 172,52).
    Você acha que aquele assaltante contumaz, que rouba carteiras, cordões de ouro, celulares, etc. contribui mensalmente com 20% do resultado do seu trabalho para o INSS (desde que seus assaltos rendam até R$ 862,60, é óbvio)? Por outro lado, os grandes traficantes, mesmo que contribuam mensalmente para a previdência, têm vencimentos superiores ao teto do auxílio-reclusão.
     De acordo com o site Observatório Social, esse benefício é do tempo dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, começou no dos marítimos (IAPM) e tinha também o dos bancários (IAPB). O benefício foi mantido na Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, e está previsto no inciso IV do artigo 201 da Constituição Federal de 1988.
     O auxílio-reclusão é, portanto, muito anterior à chegada de Lula à presidência, como quis fazer crer o autor do email e seus encaminhadores.
     Percebe-se que o autor do email é um sujeito esquentadinho. Basta ver a quantidade de exclamações e maiúsculas no seu texto. Queira Deus que seu temperamento não faça com que — se ainda estiver vivo — um dia desentenda-se com o amante de sua esposa e desfira-lhe um tiro na cara. Se, no entanto, isso acontecer e for preso, seus dependentes receberão o auxílio-reclusão, desde que seus rendimentos mensais não sejam superiores a R$ 862,60.
     Dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça indicam que a população carcerária brasileira é de quase 495 mil presos. O Boletim Estatístico da Previdência Social, por sua vez, diz que foram pagos 18.833 benefícios do tipo auxílio-reclusão em 2010. Isso quer dizer que 3,8% dos presos receberam o auxílio-reclusão no ano passado, com uma média de R$ 658,83 por mês para cada detento.
     A propósito: este benefício existe em países ditos “civilizados”, de “primeiro mundo” ou seja qual for o qualificativo que os detratores do Brasil preferirem usar para classificar outras nações.

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JUSTIÇA VOLANTE

     Esse email não é mal-intencionado, apenas denota que seus encaminhadores ouviram o galo cantar, mas não sabem onde (nem tentaram descobrir).

Esta é informação real, já conferi...
Olha a gente perdendo o Direito por não utilizar.
JUSTIÇA VOLANTE (VALE A PENA SABER E DIVULGAR).
O novo número da JUSTIÇA VOLANTE : é 0800 644 2020.

Sabe aqueles acidentes de trânsito chatos, discussões sobre de quem é a culpa, etc & etc..Há um serviço público chamado Justiça Volante. Se você se envolver em acidente de trânsito, ligue 0800-644-2020. São cinco viaturas equipadas com Juizado de Pequenas Causas, e, oficialmente, todo mundo sai de dentro da Van como se tivesse saído de um tribunal.
Parece que o serviço está prestes a acabar simplesmente porque ninguém liga. Ninguém conhece. Transmita para quem puder, e guarde o número em seu celular.

IMPORTANTE SABER E REPASSAR AO MÁXIMO.

Gostaria muito que esta informação chegasse ao máximo de pessoas que você conhece. Este é o tipo de informação que 'é direito do povo', mas que o povo não sabe! Fora que esse dinheiro com certeza deve ir para o bolso de alguém, se não for, deve ajudar de alguma forma negativamente para quem tem veículos furtados ou roubados!

     Esse texto não está cheio de pontos de exclamação e nem grita com muitas maiúsculas. Só que o autor/encaminhador mentiu ao dizer que conferiu a informação: isso nunca existiu no Rio Grande do Sul...
     A Justiça Volante foi criada no Espírito Santo, há 15 anos, como juizado especial, pelo magistrado Pedro Valls Feu Rosa e serviu de modelo para outros estados. Além de estar presente em municípios da Grande Vitória (ES), é encontrada em Aracaju (SE), Cuiabá (MT), João Pessoa (PB) e Distrito Federal.
     Confira clicando aqui.

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Na próxima postagem vou falar sobre sacrifício de animais. Clique e leia “Para evitar recidivas II”.

Para evitar recidivas II

(Continuação de “Para evitar recidivas I”)

SACRIFÍCIO DE ANIMAIS

     Em julho de 2004, o então governador do RS, Germano Rigotto, sancionou projeto de lei acrescentando parágrafo único a um dos artigos do Código Estadual de Proteção aos Animais, com a seguinte redação: “Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana”. A proposta de inclusão do parágrafo foi do então deputado Edson Portilho (PT).
     O Código Estadual de Proteção aos Animais foi instituído pela Lei nº 11.915, de maio de 2003.
     Na ocasião, foi geral a gritaria dos defensores dos animais. Saltaram abaixo-assinados de tudo quanto foi lado para tentar proibir a inclusão do parágrafo, sob a alegação que assim se estaria permitindo tortura e sacrifício de animais em rituais religiosos. Essas pessoas “politicamente corretas” acabaram fazendo juízes e desembargadores perderem seu tempo, mas não levaram e o texto da lei ficou como sancionado pelo governador.
     Pois bem, como nos exemplos anteriores (leia “Para evitar recidivas I”), gente que passa a vida ouvindo o galo cantar sem saber onde, resolveu “noticiar” o fato como se novo fosse. A “informação” passou dos emaisl ao facebook, com títulos do tipo “Aprovada Lei que permite TORTURA de animais”; “VAMOS COMPARTILHAR! NÃO DEIXE QUE UM ANIMAL COMO ESTE DESTRUA A PRÓPRIA RAÇA!”. Como alguns(as) “amigos(as)” meus publicaram em seus murais a “novidade”, fui atrás do divulgador. Descobri um cara que provocou nada mais nada menos do que 11.507 compartilhamentos, 11.704 comentários e 13.940 pessoas curtiram sua postagem. Se acrescentarmos aí os que compartilharam os compartilhamentos, a que número chegaremos?
     De acordo com o Art. 2º da Lei que instituiu o Código Estadual de Proteção aos Animais, é vedado:

I - ofender ou agredir fisicamente os animais, sujeitando-os a qualquer tipo de experiência capaz de causar sofrimento ou dano, bem como as que criem condições inaceitáveis de existência;
II - manter animais em local completamente desprovido de asseio ou que lhes impeçam a movimentação, o descanso ou os privem de ar e luminosidade;
III - obrigar animais a trabalhos exorbitantes ou que ultrapassem sua força;
IV - não dar morte rápida e indolor a todo animal cujo extermínio seja necessário para consumo;
V - exercer a venda ambulante de animais para menores desacompanhados por responsável legal;
VI - enclausurar animais com outros que os molestem ou aterrorizem;
VII - sacrificar animais com venenos ou outros métodos não preconizados pela Organização Mundial da Saúde - OMS -, nos programas de profilaxia da raiva.

Parágrafo único - Não se enquadra nessa vedação o livre exercício dos cultos e liturgias das religiões de matriz africana. (Incluído pela Lei n° 12.131/04)

     Ocorre que na mesma ocasião em que o governador sancionou Lei 12.131, também assinou o Decreto nº 43.252, que em seu Art. 2º diz que “Para o exercício de cultos religiosos, cuja liturgia provém de religiões de matriz africana, somente poderão ser utilizados animais destinados à alimentação humana, sem utilização de recursos de crueldade para a sua morte.”
     Ora, por acaso os fiéis do candomblé e da umbanda transgridem alguma das alíneas do código? Se acharem que sim, sugiro aos fundamentalistas defensores que pesquisem sobre crueldade em aviários.
     Percebe-se, então, que desde maio de 2003 — ou seja, há oito anos — além de ofender por emails ou por redes sociais o ex-deputado Edson Portilho, alguns vêm exacerbando seu preconceito contra religiões de matriz africana, mais uma vez ouvindo o galo cantar sem saber onde.
     As pessoas têm medo do que não conhecem, e fantasiam demasiadamente sobre o desconhecido, passando tabus e preconceitos de geração em geração. Muitos associam as religiões de matriz africana ao mal. Imaginam que os animais são “cruelmente torturados” nos sacrifícios dos seus cultos, aos quais os ignorantes classificam como “bruxaria”. No candomblé e na umbanda o ritual é realizado por uma pessoa especializada no sacrifício, o Axogun, que tem tal função na hierarquia sacerdotal ou, na sua falta, o babalorixá. O Axogun NÃO PODE DEIXAR O ANIMAL SENTIR DOR OU SOFRER, porque a oferenda não seria aceita pelo Orixá. O objeto do sacrifício, que é sempre um animal, muda conforme o Orixá ao qual é oferecido; trata-se, conforme a terminologia tradicional, ora de um animal de duas patas, ora de um animal de quatro patas, galinha, pombo, bode, carneiro. Na realidade não se trata de um único sacrifício: sempre que se fizer um sacrifício a qualquer Orixá, deve ser antes feito um para Exu, o primeiro a ser servido.
     E, atenção: nenhuma parte do animal é jogada fora! O couro é usado para encourar os atabaques, o animal inteiro é limpo e cortado em partes, algumas partes são preparadas para os Orixás e o restante é destinado aos demais. Tudo é aproveitado: até a porção oferecida aos Orixás é posteriormente distribuída entre os filhos da casa como o inché do Orixá. É usada para confraternização: unem-se os filhos a comer com o pai ou mãe, havendo repartição do Axé gerado pelo Orixá.
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Sacrif%C3%ADcio#Sacrif.C3.ADcio_no_Candombl.C3.A9)
     De acordo com o advogado Antonio Basílio Filho (Ogan Basílio de Xangô), vice-presidente do Superior Órgão de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo e diretor jurídico da União de Tendas de Umbanda e Candomblé do Brasil, em artigo publicado na Revista Orixás Candomblé e Umbanda, Ano II, Nº 6 (Editora Minuano), “o sacrifício dos animais é ritual de consagração, em que apenas o sangue é ofertado às entidades superiores, pois o produto final da carne dos animais abatidos é consumido pelos próprios autores da oferenda ou distribuído a entidades assistenciais e pessoas carentes, servindo a carne de alimento exatamente como a carne bovina, suína ou das aves abatidas em matadouros sem que, entretanto, aqui, na prática religiosa, esteja presente o componente econômico que está presente na atividade daqueles que fazem o abate visando, exclusivamente, o lucro advindo da exploração dos animais.”
(http://www.umbandaemfoco.com.br/modules.php?name=Conteudo&file=index&pa=showpage&pid=128)

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Se você quer saber o que é tortura e crueldade contra animais, clique aqui.

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     Espero, portanto, que pelo menos os leitores dessas duas últimas postagens nunca mais repassem emails falando mal do ex-deputado Edson Portilho (hoje em dia ele é vereador em Sapucaia do Sul) e sua emenda à lei que instituiu o Código Estadual de Proteção aos Animais, bem como parem de tratar o auxílio-reclusão como um ato absurdo do governo petista.
     Evitem recidivas!

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Clique e leia “Para evitar recidivas I

domingo, 25 de setembro de 2011

Jaguarão

     Estive em Jaguarão. Precisava repor o estoque de vinho, Amarula, Carolina Herrera e Hugo Boss. Escolhi a hora errada: o dólar subia feito louco. Azar. Se continuar alto quando vier a fatura do cartão de crédito, posso dizer que valeu pelo passeio e pela companhia de Clara, minha mulher, excelente companheira em todos os sentidos, inclusive de viagem.

Jaguarao      Vamos nos situar: Jaguarão fica no extremo sul do Rio Grande do Sul e faz fronteira com a cidade de Rio Branco, no Uruguai. A divisão entre os dois países é determinada pelo rio Jaguarão, cujo curso tem 270 quilômetros. A travessia para o lado uruguaio e vice-versa é feita pela Ponte Internacional Barão de Mauá, que tem uma extensão de 870 metros e sobre a qual há departamentos da Aduana uruguaia e da Receita Federal brasileira.

      Foi o Barão do Rio Branco que emprestou seu nome à cidade do lado uruguaio, pertencente ao Departamento de Cerro Largo, onde, em uma só rua, estão localizadas várias lojas do sistema free shop. Cada brasileiro pode comprar até um limite de 300 dólares americanos. As mercadorias são de primeira qualidade e os preços, livres da pesada carga tributária brasileira, são bem menores dos que os praticados aqui.
     Das cidades de fronteira com a característica de ser zona de free shops, Jaguarão é a mais próxima de Porto Alegre: 383 km. Aceguá — que divide com cidade do mesmo nome no Uruguai — fica a 428 km; Santana do Livramento — que faz fronteira com Rivera — fica a 489 km; e Chuí — que faz divisa com Chuy —, a 517 km. Em termos de área e população, Jaguarão perde pra Livramento. Santana do Livramento é maior e mais populosa: 6.950 km² e 83 mil habitantes. Jaguarão tem 2.054 Km² e cerca de 28 mil habitantes. Aceguá (1.549 km²) é maior do que Chuí (203 km²), mas tem população menor: quatro mil contra cinco mil habitantes.
     De acordo com dados da Biblioteca do IBGE, o nome Jaguarão é uma corruptela de Jaguanharo (tupi): cão bravo ou onça feroz; ou, segundo Alfredo de Carvalho, aumentativo português de jaguar.
     Em 1777, com o Tratado de Santo Ildefonso, a área do atual município de Jaguarão ficava em terras espanholas. As origens da cidade remontam a 1802 num acampamento militar fundado às margens do Rio Jaguarão pelo tenente-coronel Manuel Marques de Sousa (como, aliás, começaram vários municípios do Rio Grande do Sul).
     Deve seu primitivo nome, Guarda da Lagoa e do Cerrito, a um posto fortificado dos espanhois, situado a seis quilômetros da atual cidade de Jaguarão. Ali, em 1801, devido a questões militares entre Portugal e Espanha, estabeleceram-se as forças do Coronel Marques de Sousa. Ajustada a paz em virtude de armistício, a coluna Marques de Sousa retirou-se, ficando apenas uma pequena guarda de 200 homens, sob o comando do tenente-coronel Jerônimo Xavier de Azambuja. Em janeiro de 1812 foi criado o distrito com a denominação Divino Espírito Santo do Cerrito. Ainda com esse nome foi elevado à categoria de vila, em julho de 1832. Finalmente, tornou-se cidade com a denominação de Jaguarão, em novembro de 1855.
     Jaguarão tomou parte destacada em diversos acontecimentos militares de nossa história, entre os quais a Revolução Farroupilha, em 1835, e a Invasão Uruguaia de 27 de janeiro de 1865, quando 1.500 caudilhos “blancos” invadiram e saquearam a cidade, chefiados por Basílio Munhoz.
     As estradas de Porto Alegre até lá são razoáveis. Trafega-se pela BR 290 e BR 116. Nos pouco mais de 380 quilômetros, em quatro horas e meia de viagem passa-se por seis praças de pedágio na ida (R$ 36,90) e cinco na volta (R$ 29,40), totalizando R$ 66,30. Um pouco antes de entrar na cidade de Jaguarão fomos parados pelo exército, numa barreira da operação Ágata II, que visa fiscalizar o comércio ilegal de armas, explosivos, drogas, agrotóxicos, produtos eletrônicos e o escambau. Só olharam nossos documentos e o documento do carro. E se o porta-malas estivesse cheio de alguma dessas coisas?
     Jaguarão parece ainda viver sua história. Existem mais de 800 prédios catalogados na Prefeitura Municipal por suas fachadas, que conservam vários estilos arquitetônicos. A cidade é conhecida pelas portas desses prédios dos séculos XIX e XX, muitos deles ainda servindo como residência. Dentre elas, destaca-se a do senhor Jean Macksoud, que possui a porta considerada a mais bonita do Estado. Quem quiser se aprofundar no estudo da arquitetura de Jaguarão, sugiro a leitura de Ecletismo Arquitetônico em Jaguarão: um estudo, dissertação de mestrado de Lidiane Corrêa Ensslin apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da UFRGS.

     Quem vai a Jaguarão para fazer compras nos free shops de Rio Branco encontra pelo menos 15 opções de hospedagem. Destacam-se nesse setor o Hotel Sinuelo, com 45 apartamentos, e o Crigial Hotel. Ambos são próximos à Ponte Barão de Mauá. Há também cerca de 15 restaurantes à disposição dos turistas para almoço, com destaque para o Red’s Restaurante, com seu buffet a quilo e grelhados. À noite, as opções se resumem a umas duas ou três pizzarias, destacando-se a Pizza Mia. Mas a point mesmo é a Panificadora PaneMio, um lugarzinho bem agradável, que serve lanches deliciosos. Como tudo tem pelo menos um problema, a PaneMio não deixa por menos: além de ser um local com poucas mesas, o lanche, seja qual for — uma torrada, um cheese, um bauru —, demora no mínimo meia hora pra ficar pronto. É uma pena...
     Feitas as compras, retornamos. Dessa vez o exército nos deixou passar na barreira. E se o porta-malas estivesse cheio de contrabando ou descaminho?

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Ademã, que eu vou em frente!

     Acordei domingo, 4 de setembro, com um ano a mais, completado às três da madrugada, hora em que surgi há 62 anos. Ao olhar no espelho, não notei no meu rosto diferenças de um passado recente. Nem sei quando minhas pálpebras começaram a debruçar-se sobre os olhos; quando algumas rugas começaram a emoldurá-los e outras, verticais, instalaram-se acima do nariz, entre as sobrancelhas que, por sinal, quase desapareceram; quando o bigode chinês acentuou-se e as bochechas derreteram sobre o pescoço; quando e por que comecei usar o cabelo cortado rente à cabeça; e quando a barba embranqueceu. Àquela hora da manhã, a cara no espelho me parecia a mesma de sempre.
     Fiquei um tempinho me encarando, tentando descobrir há quanto tempo minha cara foi diferente daquela. Segui mecanicamente os passos cotidianos: lavei as mãos, pois acabara de desaguar as cervejas da noite anterior, passei uma água no rosto, escovei os dentes, apaguei a luz e fui preparar o café. Fiquei o tempo todo buscando uma imagem no passado, quando ainda não tinha, por exemplo, os vincos da testa. Pra isso, tinha que pensar em fatos. Lembrei, então de uma data em 1996, quando voltei a tocar numa banda de rock. Putz! Só pegando uma foto. Não me lembro como eu era...
     Foi o que fiz. Peguei algumas fotos de outubro de 96, do show de reestreia de uma banda em que havia tocado na década de 60. Não estava muito diferente. A barba do mesmo tamanho, só que preta; os cabelos, já curtos, mas com um pouco mais de quantidade e também mais pretos. As fotos são muito pequenas. Não deu pra perceber se já existiam rugas.
     Teria que voltar mais no tempo, procurar outra referência. Se um pulo de 15 anos pra trás não mostrou muita diferença, quem sabe saltar o dobro disso? Fui até 1980 e 1979, anos em que nasceram meus filhos. Ah! Agora se percebe diferença! Aquele da foto não é o mesmo que se olhava no espelho há poucos minutos. Cabelos mais compridos, barba bem aparada e escura, pele lisa, sem vincos.
     Mas ainda não estava contente e queria saber quando os cabelos mudaram radicalmente. Fui avançando ano por ano naqueles velhos álbuns de fotos: 81, 82, 83, 84, 85, 86... Oba! Achei! De repente, não mais que de repente, em 1986, aqueles cabelos que subiam nas orelhas deixaram-nas descobertas! Eles estavam, então, espetados pra cima, cheios de gel. Lembrei-me da época e da ocasião que me fez cortá-los. Abrira um salão maneiro perto da minha casa, no Bom Fim, que várias celebridades provincianas andavam frequentando. Levei lá minha filha, então com sete anos, e meu filho, com seis, pra cortar os cabelos. Aceitei a sugestão do estilista, que cortou o longo cabelo loiro da minha filha como os de um punk (corte de cabelo que muitos jogadores de futebol usam hoje, ao qual chamam de moicano). Da nuca saía um belo rabo até a metade das costas. Com o meu filho ele fez parecido, mas não tão radical, mesmo porque ele nem tinha cabelos compridos.
     Dias depois também fui lá cortar os cabelos e saí de lá com um jeitão de yuppie. Para os que talvez não saibam, um parênteses: segundo o Wikipédia, yuppie é uma derivação da sigla “YUP”, expressão inglesa que significa Young Urban Professional (Jovem Profissional Urbano). É usado para referir-se a jovens profissionais entre os 20 e os 40 anos de idade, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta, que, em geral, seguem as últimas tendências da moda. O termo yuppie descreve um conjunto de atributos e traços de comportamento que se constituíram num estereótipo comum nos EUA, Inglaterra e outros países do ocidente.

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     Puxa, me dei conta de que faz um quarto de século que meu corte de cabelo sofreu a tal mudança radical! Voltei a me olhar no espelho e fiquei a imaginar como estarão eles daqui a outros 25 anos. Sim, pois não pretendo me entregar e espero ter quase tanto futuro quanto já tenho de passado.

     Por falar em futuro, como dizia Ibrahim Sued*: “Ademã, que eu vou em frente!”