Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Lila em Bombinhas


Vou-me embora pra Bombinhas
Que é onde eu também sou rei
Já tenho a mulher que eu quero
E um cachorro levarei.

     Tomei a liberdade de parodiar (e mal) a Pasárgada do Manuel Bandeira pra dizer que, temporariamente, estamos deixando Porto Alegre e o Rio Grande. Cerca de 520 quilômetros nos separam de Bombinhas. Depois de 200 quilômetros até Torres, pela BR 290 e Estrada do Mar, vamos ter que passar pelo martírio de atravessar tenebrosos 260 quilômetros até Florianópolis pela BR 101. Seguem-se mais 60 quilômetros até Bombinhas, numa boa. Mas vale a pena, depois de um ano de trabalho duro, acordando as seis da manhã pra trabalhar das 7h30 às 13h30.
     Vamos eu, Clara e Lila. Vai ser a primeira vez que fazemos a experiência de levar Lila, nossa poodle engraçada e levemente estressada. Estou curioso pra saber como vai ser o comportamento dela no carro, onde vai presa ao cinto de segurança, no banco traseiro. Quero ver como vamos nos revezar pra ficar com ela nas paradas pra xixi e refeição, a começar pelo café da manhã, no Maquiné. Depois vem o almoço, no Restaurante do Japonês, em Sombrio, no quilômetro 436 da BR 101. Adiante tem a paradinha na Ferju, no trevo de acesso a Imbituba, no quilômetro 282. Entre Florianópolis e Bombinhas ainda vai ter mais uma parada pra beber água e também desaguar a água bebida até então.
     Conheci Lila há cerca de cinco anos. Ela já era da Clara e tinha, então, três anos recém feitos. Foi uma simpatia mútua. Apesar de ela, é claro, dar preferência à Clara, ficou minha amiga: sabe quando sou eu que estou chegando e faz festa quando apareço em casa; me convida pra brincar; recolhe-se ao castigo quando faz algo errado e a repreendo. Enfim, faz tudo que um cachorro faz com um humano de quem gosta. A recíproca é verdadeira.
     Uma das maiores e corriqueiras “artes” de Lila é comer a ração da Wanda (Uma gata chamada Wanda). Sabe que não pode. Quando, em uma ocasião qualquer durante o dia, caminho em direção à área de serviço, onde fica o pote com a ração da Wanda, Lila sai de onde estiver e fica me controlando com dois pretos e grandes olhos bem redondos. Se vejo que o pote – que recém havia enchido – está vazio, olho pra Lila e pergunto: “— Quem foi?”. É o que basta pra que ela abaixe a cabeça, tente colocar o toco de rabo entre as pernas e dirija-se para baixo da cama, de castigo, onde fica até que alguém a mande sair. Nas primeiras vezes a pergunta era “quem foi que comeu a comida da Wanda?”. Agora nem precisa mais do sintagma “que comeu...”.
     Outra peraltice da Lila é mexer no lixo. Acho que cachorro nenhum, por mais comportado que seja, consegue se controlar e não mexer no lixo quando está sozinho. Quando saimos e distraidamente esquecemos a porta da área de serviço aberta, se houver lixo na lixeira é batata: a Lila vai mexer. Quando abrimos a porta ao voltar, nem precisamos ver o lixo espalhado: a ausência dela nos esperando a denuncia. Sabem onde ela está? Embaixo da cama, sem ninguém mandar.
     Mas a Lila não faz só sacanagens. Sempre que vamos nos ausentar, por exemplo, por uma tarde inteira, deixamos pra ela dois pedaços de guloseimas caninas: uma macia e uma mais dura. A macia ela come na hora, enquanto chaveamos a porta; a mais dura, só come quando chegamos: depois de pular e fazer festa pelo retorno dos donos, vai até o pote, pega a guloseima e vem mostrar que guardou para comer na nossa volta. E ninguém disse pra ela fazer isso. Tomou a decisão sozinha. Muito estranho.
     Enfim, Lila vai conhecer uma das praias do litoral catarinense. Se se comportar ganha guloseimas, senão vai ter que ir pra baixo da cama.
     Até a volta!

Jogos pertencentes ou relativos ao Olimpo


     O Comitê Olímpico Brasileiro (COB), mandou tirar de circulação os exemplares do livro Esporte, Educação e Valores Olímpicos. Trata-se de uma obra didática lançada em junho de 2009 por Katia Rubio, pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP). O COB alega uso indevido do símbolo olímpico, do termo olímpico e da reprodução de fotografias. A entidade acusa a pesquisadora de ter feito uso das marcas “exclusivas” sem autorização.
     Este é o quinto livro escrito por Katia Rubio que têm no título o termo olímpico.
     A autora atua há mais de 15 anos em projetos de educação olímpica. A obra ora proibida (leia-se censurada) tem como objetivo ser utilizada nas escolas, em uma época em que o país se prepara para receber os Jogos Olímpicos de 2016.
     O COB justificou que “os aros olímpicos são propriedade do Comitê Olímpico Internacional" (COI) e que cabe aos COs “de todo mundo a proteção a esta marca”. Para o COB, o termo olímpico também é propriedade do COI, cabendo à entidade liberar ou não sua utilização.
     Então vejamos.

Do Dicionário Aurélio

olímpico
[Do lat. olympicu.]

Adj.

1. Pertencente ou relativo ao Olimpo.
2. Pertencente ou relativo aos deuses do Olimpo.

[Sin., nessas acepç.: olimpiano.]

3. Olímpio.
4. Referente às olimpíadas.
5. Fig. Grandioso, majestoso, divino, nobre, sublime.

Do Dicionário Houaiss

olímpico

adjetivo

1. relativo a Olímpia, cidade da Élida (dos jogos) e a Olimpo, nome de vários montes da Grécia, em especial o monte entre a Tessália e a Macedônia
2. (1670) relativo às olimpíadas
2.1. dos que disputam as Olimpíadas
      Ex.: atleta olímpico.
3. Derivação: por metáfora.
    de aspecto grandioso, majestoso, sublime

     Como pode alguém ou alguma entidade apossar-se de um termo qualquer e de seu significado em qualquer idioma. Sabe-se que “entidades”, “instituições” não tomam decisões. Quem faz isso são as pessoas – homens e mulheres – que as dirigem. Adonar-se de um termo e proibir seu uso é, portanto, uma decisão subjetiva. Por subjetivo entende-se aquilo que é válido para um só sujeito e que só a ele pertence, pois integra o domínio das atividades psíquicas, sentimentais, emocionais, volitivas, etc. deste sujeito. “O cara” ou “a cara” do COB justifica que tomou a decisão de tirar de circulação os exemplares da publicação baseado/a em norma do COI. Não seria um excesso de zelo? Não seria um daqueles casos de ser mais realista do que o rei? Seria “obra” de algum filhote da ditadura anistiado pela democracia, mas que ainda é um lobo em pele de cordeiro?
     Não li o livro Esporte, Educação e Valores Olímpicos, mas, pela decisão tomada, acho que em seu conteúdo deve ter alguma crítica contundente ao COB ou a algum de seus membros. Sim, senão também seriam proibidos os outros livros da mesma autora em que consta o termo olímpico no título.
     Saibam, então, que estão banidos de uso sem autorização os termos, por exemplo, “Olympic” (inglês, alemão e ‘n’ idio-mas), “Олимпийская” (russo), “Olympiques” (fran-cês), “Olympiakomitean” (finlandês), “Olympische” (holan-dês), “Oλυμπιακή” (grego) [em alguns desses idiomas o termo significa mais do que apenas olímpico, trazendo junto o significado de Jogos Olímpicos, Equipe Olímpica]. Na língua portuguesa, a etimologia dá conta de que o termo é de 1572 (A. G. Cunha. Índice Analítico do Vocabulário de 'Os Lusíadas' [1572]. 1ª ed. 3 vol. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1966. 2a ed. 1 vol. Rio de Janeiro, 1980.). Portanto, a partir de agora, quando se referirem publicamente ao termo olímpico, como em Jogos Olímpicos, utilizem “Jogos pertencentes ou relativos ao Olimpo”, “Jogos pertencentes ou relativos aos deuses do Olimpo”, “Jogos referentes às olimpíadas” ou, figurativamente, “Jogos grandiosos, majestosos, divinos, nobres, sublimes”...

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Sobre o mesmo tema:
http://blogdopaulinho.wordpress.com/2010/02/02/professora-katia-rubio-coloca-o-cob-em-seu-devido-lugar/
http://blogln.ning.com/profiles/blogs/katia-rubio-e-a-censura-do-cob
http://www.bomdeblog.com.br/view.action?contentId=30742&COB-tenta-censurar-a-Professora-Katia-Rubio.html

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

As aparências enganam?




     Não somos como nos vemos. Somos como os outros nos veem. Quem se olha no espelho não se vê como é. Vê uma imagem invertida de si. Se for destro, vira canhoto e vice-versa. Em assim sendo, achamos que somos o que parecemos ser e, se isso não nos satisfaz, mudamos para tentar parecer aos outros o que não somos, mas o que parecemos ser a nós. Dessa forma, vamos ficando cada vez mais diferentes do que realmente somos para nós e para os outros.
     É difícil. Pensando nisso, me deu um nó nas idéias. Em uma de suas músicas, Humberto Gessinger, do Engenheiros do Hawaii, disse que “Somos quem podemos ser”. É verdade. Podemos até parecer quem não somos, mas, no fundo, somos quem podemos ser. A aparência é uma simulação da realidade e, portanto, um ocultamento de uma realidade diferente. O idealismo vê a aparência como tudo aquilo a que temos acesso cognitivo direto, ou seja, só vemos as coisas como elas aparecem, mas nada do que aparece diz como as coisas são em si mesmas. Se colocarmos várias pessoas em volta de um campo de futebol, a cada uma sua dimensão, sua aparência será diferente. Quem ficar atrás de uma das goleiras, por exemplo, terá a ideia de que as linhas laterais, se continuassem, acabariam se encontrando num ponto distante. Na verdade nunca se encontrarão, pois são paralelas. Portanto, o campo de futebol não é como aparece para essa pessoa, e o que aparece não é o que é um campo de futebol.
     Enquanto isso, o realismo vê a aparência como o aparecer da realidade. As coisas são simplesmente como se apresentam a nós.
     De acordo com Matias Aires (1705–1763), filósofo e escritor brasileiro,

O nosso engenho todo se esforça em pôr as coisas numa perspectiva tal, que vistas de um certo modo, fiquem a parecer o que nós queremos que elas sejam, e não o que elas são.

     Mais ou menos um século depois, Ferdinand de Saussure (1857–1913), linguista e filósofo suíço, corroborou o pensamento de Matias Aires com uma frase mais objetiva: “o ponto de vista cria o objeto”.
     Costumam dizer que o hábito faz o monge. Na verdade, este ditado é o oposto do que foi criado originalmente por François Rabelais (1483–1553), escritor, padre e médico francês do Renascimento: “O hábito não faz o monge, e há quem, vestindo-o, seja tudo menos um frade”. Nada garante que aquele deputado bem vestido seja o que aparenta: ele pode ser um dos que colocam dinheiro de propina nas meias. Há, no entanto, raras pessoas que confirmam a corruptela do ditado original. Amy Winehouse é uma delas. Por suas roupas, seu penteado, seus dentes (ou a falta de alguns) revela quem é. Mas seria só pela aparência ou também pelas atitudes? Sou fã dela como cantora, mas não me envolveria emocional ou sexualmente com ela por nada deste mundo. Já a Britney Spears... (Não! Não me envolveria com ela nem antes nem depois de mostrar quem realmente é). Para Britney cabe o pensamento do filósofo alemão Friedrich Novalis (1772 – 1801): “Quando vemos um gigante, temos primeiro de examinar a posição do sol e observar para termos certeza de que não é a sombra de um pigmeu.”
     Vejamos o caso fictício de dois jovens. Estudaram juntos desde cedo. Fãs de hard rock, tocavam na mesma banda, tinham os cabelos quase até a cintura, barba sempre por fazer e só usavam calças jeans e camisetas. Um deles foi estudar Direito; o outro, Formação de Produtores e Músicos de Rock. Ao final dos cursos, o primeiro foi trabalhar num importante escritório de advocacia; o segundo, numa gravadora, em Miami. O primeiro ficou irreconhecível, se comparado a fotos da adolescência: os cabelos estão sempre aparados e bem penteados, barba feita diariamente, só usa ternos de grife, gravatas italianas e sapatos de matar barata em canto (mas continua gostando de rock). O outro, apesar de ter o cargo de diretor de produção da gravadora, continua o mesmo quanto à aparência.
     O que é comum nos dois? O sucesso profissional. O que mudou? Por força da profissão, um deles teve que assumir uma aparência que a sociedade julga ser adequada para um advogado.
     Muitos conhecem histórias de arrumadinhos de mau caráter e esculhambados de boa índole. Em todas elas está envolvida a aparência, a simulação de uma realidade, a dissimulação de outra. Muitos escritores, pensadores, filósofos já discorreram sobre a aparência. Vou deixar aqui algumas para que sirvam de reflexão.

Os homens deviam ser o que parecem ou, pelo menos, não parecerem o que não são (William Shakespeare).
Os ignorantes julgam a interioridade a partir da exterioridade (Giovani Boccaccio).
Os homens são poucas vezes o que parecem; eles trabalham incessantemente por parecer o que não são (Marquês de Maricá).
Ganharíamos mais se nos deixássemos ver tais como somos, do que em tentar parecer o que não somos (François de La Rochefoucauld).

Nada impede tanto ser natural como o desejo de parecer (François de La Rochefoucauld).

     Elis Regina gravou a música “As aparências enganam”, de Sérgio Natureza e Tunai, que começa assim:

As aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam porque o amor e o ódio se irmanam [...]

     Enfim, as aparências enganam ou isto é só aparência?