Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 28 de novembro de 2009

O leste e o norte


     Moro num prédio meia-boca de um bairro meio ânus. Da sacada da sala vejo um leste meio pobre da cidade; da sacada do quarto vislumbro um norte meio rico. Olhando assim, de longe, à noite ambos se assemelham e são bonitos: as luzes bruxuleiam enfeitando a cidade como uma árvore de Natal. À direita do leste meio pobre vê-se o chamado morro da Embratel, onde estão fincadas dezenas de torres de emissoras de rádio e TV. As luzes que piscam nas mais altas podem ser comparadas àquelas estrelas colocadas no topo dos pinheiros de Natal. Por trás do norte meio rico brilha o clarão do aeroporto. Daqui se vê chegarem e partirem as aeronaves que não transportam os moradores do leste meio pobre. Para o leste meio pobre também tem um clarão: o do Presídio Central, onde não há moradores do norte meio rico.
     Como é à noite que todos os gatos são pardos, durante o dia aparecem algumas diferenças. De maneira geral, se encontram na quantidade de verde, de concreto e de unidades habitacionais. De modo intrínseco, porém, são gritantes. E estas diferenças mais íntimas também percebo no meu bairro: ele é um pouco esquecido pelo poder público. O asfalto um dia derramado sobre os românticos paralelepípedos por alguma administração enganadora está todo cariado; as bocas de lobo entupidas (muito por culpa dos próprios habitantes) não querem nem saber da água da chuva que corre como cachoeira pelo meio-fio, trazendo lá de cima todo tipo de porcaria; a coleta de lixo é feita dia sim dia não; há uma profusão de fios, de todos os tipos, transportando energia e comunicação, presos a velhos postes enferrujados... Enfim, o bairro não é bonito quando visto de perto.
     Dia desses me surpreendi ao ver no poste da frente do meu prédio meia-boca uma luminária novinha em folha. Uau! Esperei ansiosamente a noite pra ver a luz dela. É dourada, diferente da anterior, que tinha cor de mercúrio. Fiquei tão encantado com ela que só dois dias depois reparei que todos os postes da minha rua estavam com luminárias novas. Meu prédio fica numa esquina (leia o post de 14 de outubro, Galos de despachos). Outro dia vi com meus próprios olhos as luminárias sendo colocadas na rua lateral. Surpreendente! E nem é ano eleitoral. A noite ficou mais bonita mesmo vista de perto.
     Mas é legal ficar-se olhando a paisagem das sacadas do meu prédio meia-boca de um bairro meio ânus. É olhando para o leste meio pobre e para o norte meio rico que me vem a inspiração pra escrever as coisas que escrevo aqui.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Ato médico

     Recebi por email um pps (apresentação do PowerPoint) condenando o projeto de lei conhecido como ato médico. De acordo com definição da Wikipedia, ato médico

é o conjunto das atividades de diagnóstico, tratamento, encaminhamento de um paci-ente e prevenção de agravos ao mesmo, além de ativida-des como perícia e direção de equipes médicas. Diversos países já elaboraram suas legislações sobre as compe-tências dos profissionais de saúde, haja vista que muitas categorias se diferenciaram da Medicina nas últimas décadas e agora reivindicam especificação de funções.
     Pois bem, segundo o pps (não o partido político, mas sim a apresentação PowerPoint), a aprovação do projeto

é um crime contra quatro milhões de outros profissionais de saúde e uma ameaça a 191 milhões de brasileiros.
     A tal apresentação argumenta em cima do artigo 4º do projeto:

Art. 4º São atividades privativas do médico:
I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica;
     Dizendo não ser advogado, o autor, Gabriel Lavoura (fisiote-rapeuta), assevera que o problema das leis não está no que está escrito, mas sim nas suas interpretações e subentendimentos. A seguir passa a interpretar, a sua maneira, as palavras do artigo. Brilhantemente, então, explica para a audiência de sua apresentação que "privativo vem de privado, limitado à, exclusivo, proibido aos outros"; "nosologia: ramo da medicina que trata das enfermidades em geral e as classifica"; "qualquer afecção (doença, dor, problema) que atinja qualquer parte do corpo". Simples e, repito, brilhante...
     Também quero ser brilhante. Vou colaborar com o Gabriel:

Privativo - que exprime privação; próprio, particular, exclusivo.
Privado - que não é público; particular.
Diagnóstico - conhecimento ou determinação duma doença pelo(s) sintoma(s), sinal ou sinais e/ou mediante exames diversos (radiológicos, laboratoriais, etc.); o conjunto dos dados em que se baseia essa determinação; qualificação dada por um médico a uma enfermidade ou estado fisiológico, com base nos sintomas que observa; diagnose.
Nosologia - estudo das moléstias.
Nosológico - referente à nosologia.
Enfermidade - Debilidade, doença, ou outra causa que produza fraqueza.
Doença - Denominação genérica de qualquer desvio do estado normal; conjunto de sinais e/ou sintomas que têm uma só causa; moléstia; alteração mais ou menos grave da saúde; falta ou perturbação de saúde.
Moléstia - incômodo ou sofrimento físico; doença, achaque, mal, enfermidade; incômodo físico ou moral; inquietação; mal-estar.
Prescrição - ato ou efeito de prescrever.
Prescrever - indicar como remédio; receitar.
Terapêutica - parte da medicina que estuda e põe em prática os meios adequados para aliviar ou curar os doentes; terapia.
     São palavras do Gabriel: "Portanto, de acordo com esta lei, fica sendo atividade exclusiva do médico, fazer o diagnóstico e definir como vai ser feito o tratamento de qualquer tipo de problema que a pessoa tenha."
     Então eu pergunto: alguma vez foi diferente, ou seja, médicos fazerem diagnóstico e precreverem tratamento? Ou será que o Gabriel fisioterapeuta anda solicitando radiografias, ressonâncias magnéticas e diagnosticando desvios de coluna ou hérnias de disco e prescrevendo seus próprios tratamentos?
     E diz mais, que se a pessoa tem um problema que não precisa ser resolvido por um médico, como um problema postural, um trauma de infância ou obesidade, pelo projeto terá que, antes, consultar um médico. Faltaram-lhe argumentos consistentes. Ora, Gabriel, é óbvio que não é preciso ir a um médico pra saber que tenho problemas de postura. O que preciso saber é se esse problema é só de postura ou tenho algo mais complicado que me força a não manter uma postura correta. Muitas vezes, também, é numa consulta médica, por um problema qualquer, que se descobre que ele advém de um trauma de infância. Quanto à obesidade, também é óbvio que devo consultar um endocrinolgista "antes" de passar por um nutricionista.
     E as bobagens do Gabriel não param por aí. No seu rol de profissionais que seriam prejudicados pelo projeto cita, inclusive, farmacêuticos, biólogos e assistentes sociais. Confesso que não entendi... O assistente social é o profissional qualificado que, privilegiando uma intervenção investigativa, através da pesquisa e análise da realidade social, atua na formulação, execução e avaliação de serviços, programas e políticas sociais que visam a preservação, defesa e ampliação dos direitos humanos e a justiça social. Alguém consulta e faz tratamento com assistente social?
     O que o Gabriel precisa saber é que o diagnóstico das doenças "é" uma prerrogativa específica dos médicos.

Nenhuma das outras profissões da área de saúde, à exceção da Odontologia, possui a prerrogativa de diagnosticar doenças. Todas as demais, em "suas leis", participam da assistência à saúde de modo e maneira bem específicos, sem qualquer referência ao diagnóstico de doenças. Cada profissão detém suas possibilidades diagnósticas definidas na legislação que as instituiu.
Os fonoaudiólogos, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais trabalham em habilitação e reabilitação. E sua atividade sanitária deve ser enquadrada como prevenção primária (habilitadora) ou terciária (reabilitadora) dos transtornos da fala, da audição, da linguagem e dos movimentos. Compartilham diversas atividades profissionais nessas áreas que a lei lhes faculta. Mas não são médicos, nem devem ser confundidos com eles. Diagnosticam defeitos do desenvolvimento e sequelas que existem como consequências de traumas ou da ação de outros agentes patogênicos capazes de determinar lise estrutural ou prejuízo funcional. Seus procedimentos de intervenção se inscrevem no âmbito da prevenção primária e terciária. Nos casos que necessitam tratamentos médicos (clínicos ou cirúrgicos) ou diagnósticos médicos, estes devem ser realizados por médicos.
(http://www.portalmedico.org.br/atomedico)
     Vamos a algumas definições:

Fisioterapia - Tratamento de doença por meio de exercícios e de agentes físicos.
Fonoaudiologia - Estudo da fonação e da audição, das suas perturbações e tratamento delas.
Nutricionismo - Estudo sistemático dos problemas referentes à nutrição.
Farmacêutico - Preparador e vendedor de medicamentos na farmácia.
     Por falta de espaço e para poupar os leitores não vou mais falar de outras bobagens do Gabriel e seu pps.
     Recomendo ao Gabriel que consulte e contrate um profissonal de marketing, um relações públicas, e mostre seu trabalho a muitos médicos. Se o trabalho for realmente bom, muitos médicos hão de recomendá-lo como tratamento a seus pacientes.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Vaidades e bundas


     Sei que o assunto já está pra lá de batido, mas vou ter que falar. Ao assistir na TV (Fantástico, Rede Globo, 15/11/2009) à entrevista de Geysa Arruda — aquela que quase foi linchada por usar um vestido curto na faculdade — fiquei pensando sobre a vaidade. A primeira coisa que fiz foi recorrer aos dicionários pra ver o que dizem sobre essa "qualidade". O Aurélio diz que o substantivo feminino vaidade é: "1. qualidade do que é vão, ilusório, instável ou pouco duradouro; 2. desejo imoderado de atrair admiração ou homenagens; [...]; 4. presunção, fatuidade; 5. coisa fútil ou insignificante; frivolidade, futilidade, tolice." O Houaiss segue a mesma linha: "1. qualidade do que é vão, vazio, firmado sobre aparência ilusória; 2. valorização que se atribui à própria aparência, ou quaisquer outras qualidades físicas ou intelectuais, fundamentada no desejo de que tais qualidades sejam reconhecidas ou admiradas pelos outros; 3. avaliação muito lisonjeira que alguém tem de si mesmo; fatuidade, imodéstia, presunção, vanidade; 4. coisa insignificante, futilidade; vanidade."
     Concordo com eles, em todas as acepções e, também, com o duque François de La Rochefoucauld, um pensador francês do século XVII, segundo o qual "a vaidade, embora não destrua totalmente as virtudes, desordena-as todas." Ao mesmo tempo, concordo com Leon Tolstoi, para quem "a vida sem vaidade é quase insuportável." Enquanto isso, Céline (Louis-Ferdinand Destouches), médico e escritor francês falecido em 1961, dizia que "não existe vaidade inteligente."
     E agora? Acho que vou ficar com uma quarta opinião, a de Augusto Cury: "vaidade é o caminho mais curto para o paraíso da satisfação, porém ela é, ao mesmo tempo, o solo onde a burrice melhor se desenvolve."
     Voltando ao tema Geysa e seu vestido curto usado na faculdade. A Uniban (Universidade Bandeirante de São Paulo), onde se deram os fatos que transformaram Geysa em "celebridade", tem uma das piores médias do país entre 173 universidades pesquisadas pelo MEC para compor o IGC (Índice Geral dos Cursos das Instituições). Vendo na TV o ambiente em que Geysa vive e as roupas que gosta de usar deduzi que a loirosa(?) — uma entre os 60 mil estudantes da Uniban —, pertence a uma classe social média baixa e deve ter uma das piores médias culturais do país; presumi que a vaidade exacerbada de Geysa tem origens na sua classe social e anda próxima do orgulho, que a faz vestir-se de um modo exuberante e esforçar-se em realçar seus supostos dotes físicos, provocando antipatia aos demais. Entre as "atribuições" de um orgulhoso estão a necessidade de ser o centro de atenções, a preocupação exagerada com a sua aparência exterior e a idéia de que todos os seus circundantes devem girar em torno de si. Compreende-se
que o orgulhoso vive numa atmosfera ilusória, de destaque social ou intelectual, criando, assim, barreiras muito densas para penetrar na realidade do seu próprio interior. Na maioria dos casos o orgulho é um mecanismo de defesa para encobrir algum aspecto não aceito de ordem familiar, limitações da sua formação escolar-educacional, ou mesmo o resultado do seu próprio posicionamento diante da sociedade da imagem que escolheu para si mesmo, do papel que deseja desempenhar na vida de “status” (PERES, Ney Prieto. Manual Prático do Espírita. Disponível em: http://www.espirito.org.br/portal/artigos/diver-sos/comportamento/orgulho-e-vaidade.html. Acesso em 15/11/2009).
     Resumindo: na minha cabeça, o orgulho e a vaidade de Geysa originam-se de um complexo de inferioridade, em que a pessoa procura compensar sua insuficiência real ou suposta apresentando-se aos outros com qualidades que realmente não possui. Ela supõe ser gostosa e, para tanto, resolveu mostrar o que considera serem bons atributos aos demais.
     A atitude desses deais, por sua vez, foi deplorável. Conseguiram transformar uma mulher comum em gostosona e, não duvido, hão de colocá-la na Playboy e num Big Brother da vida.

     Vaidade,
     todos temos;
     e bunda também,
     uns mais, outros menos.

domingo, 8 de novembro de 2009

Receita Federal: Deus nos livre!


     Ando às turras com a Receita Federal. Devo ser alguém importante pra que os técnicos da RF se preocupem com minhas declarações de “rendimen-tos” todos os anos. Vou explicar.
     Ano passado, quando começaram as restituições do IR, todos os meses visitava o site da Receita pra ver se lá estavam de volta alguns dos meus minguados tostões. De repente, aquela página que informa se sua restituição foi depositada ou se ainda continua na base de dados disse que havia pendências em minha declaração. Uau! O que seria? Faço sempre tudo certinho, sem escamotear rendimentos ou inventar deduções... Putz!
     E aí esperei, esperei, esperei e esperei o ano inteiro de 2008. E chegou 2009 e a hora de fazer a declaração referente a 2008. Fiz tudo igualzinho, novamente sem escamotear ou inventar. Novamente passei a consultar o site pra ver se vinha a mais minguada ainda restituição. Até que aquela maldita página disse de novo que havia pendências... Ah, não!
     Desta vez, no entanto, o site da Receita está mais amigável. Além de dizer que há pendências, informa quais são e se reporta a declarações de anos anteriores. Fui ver quais eram as pendências e está lá algo mais ou menos assim: inconsistência em relação a dados com despesas médicas. E agora, José? Tenho recibo de todas minhas despesas médicas... Cliquei num link que me ajudou a descobrir: só posso abater o que pago pra UNIMED o montante das minhas despesas pessoais; não posso abater o que pago para meus filhos e a mãe deles porque não são meus dependentes para fins de imposto de renda. Tá?
     Ora, teoricamente, e pra fins de imposto de renda, os filhos só podem ser dependentes até os 24 anos, se estiverem cursando uma faculdade. Caso contrário, a idade limite pra ser dependente é menor ainda. Meus filhos já passaram dos 24, já estão formados, tem emprego – um deles até já casou –, mas, pasme, continuam sendo dependentes! E isso não acontece só com meus filhos, mas com os filhos de muita gente. Foi-se o tempo em que a partir dos 18 anos os filhos já eram considerados adultos, iam morar sozinhos, etc. Hoje em dia, ficam na casa dos pais até os 30, ou mais. Não por comodismo, mas porque ainda dependem do dinheiro dos pais. Os empregos que conseguem, em começo de carreira, lhes "rende" um salário ridículo, que mal dá pra cervejinha na balada, imagine ter algum plano de saúde... E vou mais longe: a justificativa das empresas pra pagarem um salário baixo pra essa turma é de que há muitos encargos sociais e impostos incidindo.Entendo.
     Pois a Receita não quer me restituir o que paguei a mais de IR nesses dois anos porque declarei o que pago de UNIMED pros meus filhos e pra mãe deles. Vou ter que retificar as declarações tirando essa despesa que realmente tive.
     Confesso que não me importaria em contribuir para a manutenção de estradas, para a construção de hospitais, de escolas, de presídios e de abrigos para crianças e idosos; confesso que socializaria com prazer meus "rendimentos" com a camada pobre da população... Mas quero recibo de tudo isso! Ao não me fornecerem recibo de que gastaram tanto por cento dos meus "rendimentos" naqueles itens que citei acima, deveria eu ter o direito de fazer cessar o desconto para o IR feito mensal, compulsoria e diretamente no meu contracheque!
     Eu, porém, tenho que guardar por cinco anos os recibos daquilo que informei ter pago e, mesmo assim, nem tudo o que paguei posso aproveitar.
     Preciso conseguir um emprego pros meus filhos no legslativo ou no judiciário federal, pois do executivo eu sou e me ferro sempre.
     E viva os sonegadores!

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Varejão


     Não sei se posso ser considerado um cara chato. Pelo menos não conto minha vida quando me perguntam "tudo bem?". Claro, tenho umas manias, pequenas. Gosto das coisas arrumadas: gavetas, mesas, armários, guarda-roupas. Mas só se as coisas estiverem muito desarrumadas. Se estiverem, não perco o humor nem fico reclamando. Apenas arrumo. É, acho que não sou chato.
     Chato mesmo são aqueles comerciais de TV aberta conhecidos como "varejão". Neste rol entram anunciantes como Big, Carrefour, Casas Bahia, Ponto Frio, Magazine Luiza e outros. São lojas cujos clientes, imagino, sejam de renda média para baixa. Invaravelmente os locutores berram as ofertas. Pra que berrar? Não bastava anunciar? Será que os consumidores de baixa renda são todos deficientes auditivos? Ah, ainda por cima, têm voz chata. Você já ouviu algum locutor daqueles que narram os textos dos comerciais de banco, ou da Petrobrás, ou de cosméticos vendendo sua voz para comerciais de varejo ou supermercado? Tenho certeza de que não. Por que os de "varejão" têm que ser ruins?
     Nos comerciais de supermercados, além dos locutores ruins de voz horrível, ainda temos que ficar ouvindo-os berrando os preços das ofertas. Os centavos de todos os produtos terminam em nove: setenta e nove, oitenta e nove, noventa e nove. Não importa se é unidade, quilo ou dúzia. É tudo alguma coisa e nove. E depois de cada nove desses tem uma exclamação.
     Já nos comercias das lojas de móveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, quando não é um desses locutores anunciando "maravilhosos" sofás, supermodernos televisores LCD, aparelhos de DVD com karaokê ou refrigeradores sem IPI, tem os famosos garotos propaganda (nem tão garotos assim!), falando bem rápido pra caber tudo em 30 segundos. Ufa!
     Você está assistindo a seu programa favorito, seja ele de que gênero for, com o televisor num volume suficiente pra que se ouça o que estão falando na telinha e vem o intervalo. Passa um comercial de instituição financeira, outro de um produto cosmético, um de alguma marca de gasolina, todos bonitos e criativos, com belas imagens, música envolvente e uma narração de veludo nos ouvidos. De repente: PÁ! CRÁS! TIBUM! O volume da TV dá um salto com vara e deixa você atordoado. É um varejão entrando na sua sala; MAMÃO FORMOSA QUATRO E SETENTA E NOVE! BANANA MAÇÃ TRÊS E VINTE E NOVE! BERINGELA EXTRA GRANDE TRÊS E SESSENTA E NOVE! AIPIM EMBALADO QUATRO E TRINTA E NOVE! Imediatamente você cata o controle remoto, procura o botão de volume e aperta freneticamente, ao ritmo do locutor, tentando expulsar aquele cara da sua sala. Mas já é tarde, ele falou tudo que queria e se foi. Em seguida entra o cara que anuncia sofás, DVDs e guarda-roupas mas, por sorte, o volume já está baixo.
     Tomara que chegue um dia em que, assim como se escolhe o programa que se quer ver, se escolherá os comerciais. Tomara

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

De placebos e paranóias


     Dia desses discuti sobre medicamentos com um conhecido. Ressalte-se que não é a área de nenhum dos dois. Para situar o leitor, devo dizer que este conhecido foi diagnosticado com Distúrbio de Déficit de Atenção. Entre os sintomas de pessoas que sofrem de DDA estão a desatenção, a distração, a desorganização, problemas de controle de impulso, dificuldade de aprender com erros passados, falta de previsão e adiamento. As características marcantes desse tipo de distúrbio são a facilidade de distração com devaneios frequentes (imaginação "viajante"), desorganização, procrastinação, esquecimento e letargia/fadiga.
     O autor do livro Transforme seu cérebro, transforme sua vida, Daniel G. Amen – que tem dois filhos com DDA –, diz ter descoberto, através de pesquisas realizadas em sua clínica, que o distúrbio é basicamente uma disfunção geneticamente herdada do córtex pré-frontal, devido, em parte, a uma deficiência do neurotransmissor dopamina. Assim, grosso modo, o tratamento ideal integra, simultaneamente, o uso de medicamentos e terapia ou treinamentos comportamentais. Em relação a medicamentos, os estimulantes são a categoria mais usada. No Brasil, a Ritalina é o mais comum.
     De acordo com Instituto Paulista de Déficit de Atenção (ITDA), ainda há muito desconhecimento e preconceitos sobre o uso de medicação psiquiátrica, especialmente “tarjas pretas”. O Instituto afirma, no entanto, que a Ritalina é uma droga de perfil seguro. É uma alternativa de curto prazo, seus efeitos são rápidos e de curta duração (duram apenas de 4 e 6 horas). Quando o tratamento como um todo é baseado apenas em medicação, será necessário tomar a droga por toda a vida. A ritalina não leva a uma melhora definitiva nos sintomas, ela apenas traz alívio por algumas horas.
     Acredito que o leitor esteja, agora, um pouco familiarizado com o DDA e seu tratamento. Voltemos, então, à discussão com meu conhecido. Trata-se de um descrente. Um descrente tipo aquelas crianças que nunca comeram espinafre mas, mesmo assim, afirmam que não gostam. Sim, porque crença é atitude de quem se persuadiu de algo pelos caracteres de verdade que ali encontrou. Para encontrar uma verdade, contudo, é preciso experimentar algo. Diz ele que os medicamentos são placebos e que só curam as doenças ou minoram os sintomas porque quem os toma acredita que façam efeito. Placebo é uma forma farmacêutica sem atividade, cujo aspecto é idêntico ao de outra farmacologicamente ativa. Dessa forma, caso o placebo provoque algum resultado, este será, apenas, de natureza psicológica. Os dicionários dizem, também, que placebo é uma preparação neutra quanto a efeitos farmacológicos, ministrada em substituição de um medicamento, com a finalidade de suscitar ou controlar as reações, geralmente de natureza psicológica, que acompanham tal procedimento terapêutico. Ora, na própria acepção do dicionário já se encontra a dicotomia: placebo - medicamento. É o sim e o não. Se existe um é porque existe o outro. Meu conhecido não foge à regra: não acredita nos efeitos positivos de um medicamento, mas sim nos efeitos colaterais.
     Aprendi com o Dr. Daniel Amen que muitas pessoas com problemas no córtex pré-frontal tendem a procurar conflito para estimular seu cérebro. É de máxima importância que a gente não alimente a tormenta, mas, pelo contrário, deixe-a passar fome. Quanto mais alguém com esse padrão, inadvertidamente tenta deixá-lo aborrecido ou bravo, mais você precisa ficar quieto, calmo e firme. Deixe-o gritar. Mantenha a voz baixa e uma conduta calma. Quanto mais a pessoa com DDA tentar tumultuar a situação, menos intensa deve ser a reação do outro.
     Acredito, entretanto, que o problema do meu conhecido vá mais longe e comece a beirar a paranóia, psicopatia caracterizada pelo aparecimento de suspeitas que se acentuam, evoluindo para mania de perseguição e de grandeza estruturados sobre bases lógicas. Por quê? Porque ele acha que os medicamentos são invenção de laboratórios que só pensam em ganhar dinheiro em cima da credulidade das pessoas. Não leva em conta as quatro fases da pesquisa clínica que, além de animais, envolve cerca de 10 mil indivíduos que servem de cobaia antes de se colocar um medicamento no mercado. Seguindo esse raciocínio, pode-se dizer, também, que governos, médicos, psiquiatras, farmacêuticos e, enfim, profissionais da saúde em geral compactuam com os laboratórios. Inclusive as pesquisas das universidades do mundo inteiro.
     Resumindo: realmente, nenhum medicamento vai curar quem nasceu com disfunção no córtex pré-frontal, assim como não cura quem nasceu com um membro a menos. No primeiro caso, os sintomas podem ser minorados com medicamentos; no segundo, com próteses. Ou uma prótese também seria um placebo?