Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Um dia isso tem que ter fim

       Em fevereiro de 1969, no auge do verão porto-alegrense, eu era apenas um rapaz latino-americano, que amava os Rolling Stones mais do que os Beatles e que há três anos tocava bateria numa banda chamada The Old Stones (leia aqui e aqui). Eu fingia que estudava e meu pai fingia que acreditava. Ele sabia, no entanto, que eu passava as tardes quentes na piscina do clube, as mornas vagabundeando na Rua da Praia e, as noites, em alguma esquina do bairro, quando não estava ensaiando. Por vergonha, não lhe pedia dinheiro, até porque dava pra viver bem com o que ganhava tocando nos fins de semana (quando pagavam...).
       Naquela época, eu gostava de desenhar, o que um dia chegou a ser motivo de bronca do meu pai, por ter achado na minha gaveta uns esboços de mulheres nuas que eu tinha feito. Também ganhava uns trocados pintando posters e camisetas com a foto famosa do Che Guevara. Vai daí que, por causa desse talento, meu irmão — acredito que conluiado com meu pai, ou vice-versa — me “arrumou” um estágio na agência de propaganda em que trabalhava. Eu passava os dias numa sala com dois ou três desenhistas, aprendendo a fazer “pastape” (é assim que se pronuncia, mas não lembro como se escreve em inglês), enfim, aprendendo o ofício de montador de peças publicitárias (não vou entrar em detalhes, mas informo que era tudo na marra, não existia computador, o CorelDraw, o Ilustrator e o Photoshpop não eram nem imaginados).
       Muito mais do que aprender o ofício, porém, comecei a aprender a conviver — no sentido de habituar-me a condições extrínsecas (físicas, culturais etc.) —, comecei a conhecer o outro lado da vida: o de ter responsabilidades. Aprendia a ficar adulto. E de graça!
       Exatamente um ano depois desse começo, o diretor da agência entrou na sala em que nos confinavam, muito simpático cumprimentou a todos, disse alguma coisa e, por fim, perguntou genericamente se “esse rapaz” — que era eu — tinha aprendido alguma coisa. A resposta foi modesta, mas unânime: sim! Então me mandou passar no departamento de pessoal. Foi assim que carimbaram e assinaram pela primeira vez minha recém tirada Carteira Profissional, do então Ministério do Trabalho e Previdência, a famosa Carteira de Trabalho.

carteira de trabalho 01

carteira de trabalho 03

Até hoje, 44 anos depois, ainda está lá na página 11:
Natureza do cargo: ARTE-FINALISTA
Data de admissão: 15 de FEVEREIRO de 1970
Remuneração: NCr$ 250,00 (duzentos e cincoenta cruzeiros novos)

      Dois anos e meio depois, surgiu outra oportunidade de emprego, que iria me render um salário melhor, em um dinheiro com nome diferente e outro valor. Fui trabalhar como desenhista no Jornal da Semana, do Grupo Editorial Sinos, recebendo mensalmente Cr$ 1.200,00 (Hum mil e duzentos cruzeiros). Para se ter uma ideia, era tanto dinheiro que acabei me casando...
      Fiquei ali pouco menos de um ano. Em junho de 73, por 100 pilas a mais, me transferi para a Rádio e Televisão Gaúcha S/A, contratado como desenhista ilustrador, no setor de divulgação, mas que era uma “house-agency”.
      Estimulado por trabalhar numa empresa jornalística, perto de redações de jornal e rádio, resolvi fazer vestibular pra jornalismo, e passei na FAMECOS/PUC. Comecei a viver um pequeno dilema, mais de frescura do que de praticidade: trabalhava em publicidade, mas estudava jornalismo.
      Em julho de 1976 fui trabalhar na Marca Propaganda, ganhando Cr$ 4.000,00 (quatro mil cruzeiros) mensais, na função — de acordo com o contrato na Carteira Profissional — de arte-finalista, mas, na verdade, eu passava a limpo os “roughs” (um leiaute grosseiro) dos diretores de arte. Acho que devido aos colegas de Faculdade e à direção que o curso me levava, acabei me envolvendo com a área audiovisual. Por isso, mudei de função na agência, deixando de ser desenhista e tornando-me produtor eletrônico.
      Era, entretanto, uma época difícil no mercado publicitário. Várias agências quebravam. Para fugir da bancarrota e continuarem ativas, muitas delas demitiam funcionários. Não escapei disso.
      Mas não chegou a ser problema. Antes disso, em 1978, havia completado o curso (Leia aqui sobre isso). Depois de formado, um colega de aula, com quem eu dividia trabalhos em grupo, me convidou para prestar serviços remunerados para um projeto do MEC, em convênio com a UFRGS, onde ele era funcionário. Era março de 1979. Enquanto prestava serviços, meu colega mexia os pauzinhos para que eu fosse contratado emergencialmente, recurso que existia no serviço público naquele tempo. Quando estava tudo acertado e eu iria pedir demissão da agência para trabalhar na UFRGS, aconteceu o inverso: fui demitido por motivo de contenção de despesas. Não poderia ter dado mais certo. Era 1º de junho de 1979. Só não comecei a bater ponto na UFRGS nesse dia porque nasceu minha primeira filha.

carteira de trabalho 02

A primeira Carteira de Trabalho ficou pequena pra tantas anotações

      Meu contrato no cargo de “Técnico em Comunicação Social”, no entanto, foi retroativo ao dia 1º de março daquele ano. Isso quer dizer que no próximo sábado, dia 1º de março de 2014, daqui a dois dias, estarei completando 34 anos de trabalho só na UFRGS. Contando com o tempo de trabalho anterior, em 1º de fevereiro completei 45 anos de trabalho ininterruptos, em alguns deles acumulando empregos. No meio disso tudo, na década de 80, paralelamente ainda fui sócio de uma produtora de audiovisuais, professor na UNISINOS e na UFRGS, redator e editor na Rádio Guaíba e editor na Rádio Gaúcha.
      Nesses últimos 45 anos de trabalho (um de estágio e 44 empregado) recém completados, casei três vezes, tive dois filhos, fiquei viúvo uma vez e, agora, tenho um neto; fui baterista, montador, arte-finalista, desenhista, produtor eletrônico, sócio de empresa, professor, redator, editor, voltei a ser baterista, webdesign, webmaster…

.:: o ::.

      Mas um dia isso tem que ter fim: apesar de já estar há alguns anos com abono permanência (situação de quem adquire o direito de se aposentar, mas continua trabalhando), ainda nessa semana, dei entrada com a papelada pra parar de trabalhar definitivamente. Prefiro ñão dizer “me aposentar”…


      Ah! Quando isso tiver fim, ou seja, assim que me alforriarem definitivamente, só vou continuar tocando bateria. Mas sem descontar INSS…

6 comentários:

Clara disse...

Continuar tocando bateria, continuar casado e dedicar-se a "sobremesa da vida", chamada de Bento!

Méia Tajes disse...

Continuar tocando bateria, continuar sendo casado, avô do Bento e meu Dindo preferido. Vamos combinar que meu coração enche de orgulho, quando próximo de comemorar meu cinquentenário, ainda tenho um Dindo pra chamar de meu. Poucos são tão abençoados como eu. Um beijo e uma feliz nova condição de vida.

Ana Vasconcelos disse...

Uma história de sucesso de um homem guerreiro!!!

Anônimo disse...

Um verdadeiro túnel do tempo.Atesto a veracidade das informações PTAldo!
Mas não perdestes a amizade de alguns por discordar do propósito da caravana, ela apenas está adormecida.

PIRATAS DO PORTO OFICIAL disse...

Li cantando "apesar de você amanhã há de ser outro dia" E o você aqui, não é tu, Aldo!!! Muito antes pelo contrário. Gostei muito do que li.
Antonio Oliveira
Ah, fica aí as "coisas do antonio" http://piratasdoportooficial.blogspot.com.br/

Clara disse...

Deverias voltar ao teu blog. Muitos o aguardam!