Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 28 de novembro de 2009

O leste e o norte


     Moro num prédio meia-boca de um bairro meio ânus. Da sacada da sala vejo um leste meio pobre da cidade; da sacada do quarto vislumbro um norte meio rico. Olhando assim, de longe, à noite ambos se assemelham e são bonitos: as luzes bruxuleiam enfeitando a cidade como uma árvore de Natal. À direita do leste meio pobre vê-se o chamado morro da Embratel, onde estão fincadas dezenas de torres de emissoras de rádio e TV. As luzes que piscam nas mais altas podem ser comparadas àquelas estrelas colocadas no topo dos pinheiros de Natal. Por trás do norte meio rico brilha o clarão do aeroporto. Daqui se vê chegarem e partirem as aeronaves que não transportam os moradores do leste meio pobre. Para o leste meio pobre também tem um clarão: o do Presídio Central, onde não há moradores do norte meio rico.
     Como é à noite que todos os gatos são pardos, durante o dia aparecem algumas diferenças. De maneira geral, se encontram na quantidade de verde, de concreto e de unidades habitacionais. De modo intrínseco, porém, são gritantes. E estas diferenças mais íntimas também percebo no meu bairro: ele é um pouco esquecido pelo poder público. O asfalto um dia derramado sobre os românticos paralelepípedos por alguma administração enganadora está todo cariado; as bocas de lobo entupidas (muito por culpa dos próprios habitantes) não querem nem saber da água da chuva que corre como cachoeira pelo meio-fio, trazendo lá de cima todo tipo de porcaria; a coleta de lixo é feita dia sim dia não; há uma profusão de fios, de todos os tipos, transportando energia e comunicação, presos a velhos postes enferrujados... Enfim, o bairro não é bonito quando visto de perto.
     Dia desses me surpreendi ao ver no poste da frente do meu prédio meia-boca uma luminária novinha em folha. Uau! Esperei ansiosamente a noite pra ver a luz dela. É dourada, diferente da anterior, que tinha cor de mercúrio. Fiquei tão encantado com ela que só dois dias depois reparei que todos os postes da minha rua estavam com luminárias novas. Meu prédio fica numa esquina (leia o post de 14 de outubro, Galos de despachos). Outro dia vi com meus próprios olhos as luminárias sendo colocadas na rua lateral. Surpreendente! E nem é ano eleitoral. A noite ficou mais bonita mesmo vista de perto.
     Mas é legal ficar-se olhando a paisagem das sacadas do meu prédio meia-boca de um bairro meio ânus. É olhando para o leste meio pobre e para o norte meio rico que me vem a inspiração pra escrever as coisas que escrevo aqui.

Um comentário:

Clara disse...

Tu és o meu centro, inteiro, iluminado, o lado rico da minha vida. E assim, nós vamos passando os nossos dias, contemplando tudo de nossa janela, de nossa sacada...