Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sexta-feira, 14 de maio de 2010

Quem ama não mata?


     Osvaldo vivia com Irene, com quem tinha uma filha, Daniela. Rosaura e Ernesto também viviam juntos, tinham um casal de filhos, eram amigos de Osvaldo e Irene, que eram padrinhos de um deles. Quando Daniela tinha cerca de 16 anos, Osvaldo deixou Irene e foi viver com Rosaura, que, simultaneamente, abandonara Ernesto*.
     Desta união, que foi oficializada perante um Juiz de Paz, há cinco anos nasceram duas gêmeas e há quatro, um menino.
     Osvaldo sempre foi mecânico. Morava com a mulher, os filhos dela e os filhos de ambos no andar superior da oficina que herdara do pai.
     Apesar da família numerosa para os padrões de hoje, Osvaldo cumpria suas obrigações de pai e, na medida do possível, participava no sustento de Daniela, filha da união anterior, hoje com 22 anos. Irene, ex-mulher de Osvaldo e mãe de Daniela, não se uniu a ninguém depois de ser abandonada pelo companheiro. Trabalha no comércio e sobrevive razoavelmente com a filha.
     Duas semanas atrás, Osvaldo matou os três filhos que tinha com Rosaura, pôs fogo na oficina e suicidou-se com um tiro na cabeça. Osvaldo teria cometido os crimes para atingir Rosaura, que lhe havia abandonado 15 dias antes. A verdade do fato ficou consignada num vídeo que o mecânico deixou gravado num CD.

     Não. Isto não é sinopse de novela, nem de uma tragédia Shakesperiana adaptada ou de algum romance perdido de Nelson Rodrigues. É uma história da vida real e foi notícia em 26 de abril — data do fato — na internet, no rádio e na TV. No dia seguinte foi publicada nos jornais.
     Fui apresentado a Osvaldo no corredor de um supermercado, muito tempo depois de saber de sua história com Irene, a quem eu já conhecia. Antes desse dia, ficava imaginando como seria aquele homem que deixara a mulher e a filha pra viver com a amiga da própria mulher e, ainda por cima, sua comadre;por que não se casara legalmente com Irene mas o fizera com Rosaura;o que levara Rosaura a deixar o companheiro pra viver com Osvaldo e, seis anos depois, deixar o mecânico pra viver com outro? Imaginava-o um homem aparentemente sedutor, de presença física marcante: alto, moreno, etc. Enganei-me. Era um gordinho, careca, de fala mansa.
     Se imaginava Osvaldo um sedutor e mudei de opinião depois de conhecê-lo, agora só me resta pensar em Rosaura — a quem não conheço nem de vista — como uma mulher fatal, loira, escultural, etc., que enlouqueceu por um homem normal e o fez enlouquecer por ela.
     Tenho motivos pra pensar assim: se para se unirem os dois cometeram a loucura compartilhada de abandonar os respectivos companheiros enquanto eram todos amigos e compadres, e, no fim da história, Osvaldo cometeu a pior das loucuras porque foi abandonado, creio que Rosaura deve ser como imagino.
     Que seja. Não justifica o triplo filicídio e o sucessivo suicídio.
     Apesar dos inúmeros estudos e das pesquisas que vêm sendo elaboradas há muitos anos, a mente humana ainda é um grande mistério. Seria o mecânico da história real um psicótico ou um esquizofrênico? Teria sido esse o seu primeiro e fatal surto?
     Para os especialistas, o psicótico vive em outro mundo, convivendo com seres e objetos irreais, afastando-se cada vez mais da realidade. Assim, experimenta alucinações, delírios, modificações em suas atitudes e confusão mental sem se dar conta de que age de maneira estranha. Não consegue, dessa forma, relacionar-se com as outras pessoas nem realizar suas mínimas tarefas cotidianas.
     Todos que conheciam Osvaldo, no entanto, custaram a acreditar no que acontecera. Era trabalhador, benquisto na vizinhança, consideravam-no um pai amoroso, carinhoso e orgulhoso das lindas gêmeas e do menino.
     Dizem, ainda, os especialistas, que algumas pessoas podem passar por períodos de estado alterado da consciência, sem que isso seja uma psicose duradoura. Vivências neste sentido podem ocorrer durante um êxtase religioso ou uma inspiração artística mais intensa, percebida como um estado alterado da consciência. De acordo com o DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), manual de diagnósticos norte-americano, este transtorno não é considerado como uma doença. O documento classifica este distúrbio em duas categorias: a funcional, que abrange a esquizofrenia e doenças de natureza afetiva;e a orgânica, consequência de demências ou de intoxicações.
     A psicose, portanto, pode ser provocada por uma herança genética ou por eventos contextuais, psicossociais, com prejuízos no poder de comunicação e de interação com o outro, no campo afetivo, na razão, no pensamento, no uso da linguagem, entre outros. Nos casos mais radicais, o paciente perde o contato consigo mesmo.
     Dependendo da intensidade do problema, o psicótico pode causar perigo a si mesmo, pois percebe o real de uma forma distorcida e atua com base nesta ilusão.
     O termo psicose vem do grego psique, para mente, e ose, para condição anormal, significando literalmente condição anormal da mente. Psicose é um termo psiquiátrico genérico para um estado mental frequentemente descrito como envolvendo perda de contato com a realidade.
     O psiquiatra suíço Eugem Bleuler criou, em 1911, o termo esquizofrenia para designar um estado de mente dividida. Ao propor o termo, Bleuler quis ressaltar a dissociação que às vezes o paciente percebia entre si mesmo e a pessoa que ocupa seu corpo.
     Culturalmente o esquizofrênico representa o estereotipo do “louco”, um indivíduo que produz grande estranheza social devido ao seu desprezo para com a realidade reconhecida. Agindo como alguém que rompeu as amarras da concordância cultural, o esquizofrênico menospreza a razão e perde a liberdade de escapar às suas fantasias.
     A traição ou fim do relacionamento leva algumas pessoas a tentar destruir seu objeto de desejo, isto está diretamente ligado com a personalidade de cada um e sua carga cultural. As personalidades psicopáticas, no entanto, podem se apresentar de diversas formas, mas não são essencialmente, personalidades doentes ou patológicas, pois seu traço mais marcante é a perturbação da afetividade e do caráter, enquanto que a inteligência se mantém normal ou acima do normal. Há, contudo, diferença entre doença psicológica e descontrole emocional. Segundo a psicóloga Maria Auxiliadora, “podem existir, entre milhares de pessoas diferentes, três tipos de assassinos passionais: o neurótico, o psicótico e o psicopata”.
     O neurótico é aquela pessoa “normal” que, em um momento extremo, comete o crime, mas depois se arrepende. O psicótico é um doente que age motivado por alucinações e vozes que acredita piamente serem reais. Geralmente, mata as pessoas que mais ama e mais próximas, uma vez que acredita que está sendo perseguido. Quando comete o crime alega que a vítima era a maior culpada, pois os provocava. O psicopata, por sua vez, é um assassino frio que comete o homicídio por prazer. Não age sob delírio, possui distúrbios comportamentais e problemas pessoais graves.
     Mas o que aconteceu com o Osvaldo, aquele mecânico do bairro, pacato, bonachão, pai amoroso, traidor em fá sustenido maior, de quem nem a traída ex-mulher falava mal? Você seria capaz de julgá-lo? Afinal, quem ama mata?
     Quanto à comadre Rosaura, nunca recuperará a perda que teve. Já foi indiciada, julgada e condenada pela própria vida.

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Nota do autor:
*Com exceção do nome Osvaldo, os dos outros envolvidos são fictícios.

Fontes:
Psicose - Sintomas e tratamento do psicótico
(http://www.copacabanarunners.net/psicose.html)
Esquizofrenia
(http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=328&sec=31)
Psicose
(http://www.infoescola.com/psicologia/psicose/)

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