Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 30 de abril de 2011

Ponto de venda

      Da minha janela de observação vi que picharam o tronco de uma árvore em frente, no outro lado da rua. Uma injúria. Não à árvore, mas à Polícia Militar. Alguém escreveu ali, bem legível: PM PUTO. Percebi de cara que não era uma simples pichação, pois a letra não era de pichador. Era uma ação objetivando denegrir a imagem de um adversário. Vou explicar.
     Moro no Partenon, um bairro de Porto Alegre cuja história começou quando alguns literatos da cidade passaram a se encontrar com certa frequência e, desses encontros, nasceu a Sociedade Partenon Literário, oficialmente fundada em 1868. Com o aumento de prestígio da sociedade, foi proposta a construção de uma sede. Em um terreno doado por um de seus membros, localizado no topo de um morro, onde hoje é a Igreja de Santo Antônio, os integrantes da sociedade sonhavam construir uma réplica do Partenon grego. Em 1873 foi lançada a pedra fundamental da sede. A ideia, contudo, não prosperou. Ao mesmo tempo, um grande plano de urbanização e loteamento da área encontrava-se em curso. Num acordo com os membros da sociedade, o loteamento utilizaria o nome “Partenon” e a sociedade receberia parte da terra a ser loteada. Em 1899, porém, a sociedade se dissolveu e doou seus terrenos à Santa Casa de Misericórdia (a sociedade teve suas atividades reiniciadas muitos anos depois, em 1997).
     O bairro, no entanto, sobreviveu com o nome do templo grego e nele, hoje, entre outras coisas, há um dos mais afamados pontos de drogas da cidade, motivo daquela pichação no tronco da árvore.
     Só vim a conhecer o Partenon há pouco mais de cinco anos — antes disso era só de passagem —, quando me mudei para bem perto da famosa boca de fumo e já era tarde pra voltar atrás. Com o tempo descobri que era seguro morar por aqui, pois a presença do ponto e de seus controladores afasta da vizinhança outros tipos de delinquentes, como ladrões de automóveis e assaltantes, que operam livremente noutros bairros. Percebi que a convivência era pacífica e que, inclusive, até a polícia pouco se importava com o comércio ilegal ali instalado.
     Até um tempo atrás, os consumidores procuravam o “vendedor” a qualquer hora do dia. E eram atendidos prontamente. Havia um “plantonista” 24 horas a espera dos compradores. Sinal de que, apesar da grande procura, a mercadoria era bastante ofertada a granel. Nas sextas-feiras e sábados, o movimento aumentava um pouco e havia certa fila de espera, mas nada preocupante.
     De um tempo pra cá, ficaram mais assíduas grandes apreensões de drogas e prisões de traficantes no Estado. Ao mesmo tempo, a polícia começou a ficar mais constante no bairro, aparecendo a qualquer hora, até mais de uma vez por dia. Quando não vem de carro, vem de moto; quando não vem de moto, vem de bicicleta; e assim por diante. Acho que as apreensões de drogas e prisões de traficantes também causaram apreensão nos donos do mercado, que passaram a receber menos mercadoria e/ou a controlar mais sua saída. Uma das consequências foi o acúmulo de consumidores nas ruas próximas. A uma quadra do ponto fica reunido um grupo grande; um pouco mais acima, esparsos, outros grupos, de dois, três ou quatro, e alguns automóveis estacionados; na rua da boca, pouco abaixo do ponto, vários consumidores disfarçados de moradores do bairro ficam encostados nas paredes, batendo bola, etc.. De repente, aparece alguém, pode ser um garoto ou uma garota, uma mulher ou um homem e grita algo como “— Tá na mão!” e a turba parte dos diversos pontos de encontro e se dirige para uma espécie de guichê, onde adquire uma porção da variedade dos produtos ali vendidos.
     Dia desses fui buscar o carro que havia deixado para lavar a uns 30 metros do ponto. Quando me aproximava da lavagem, uma mulher gritou:— Fulano mandou dizer que tá na mão! Fui envolvido por uma massa de consumidores que praticamente me arrastava pela rua, em direção ao vendedor. Consegui escapar, atravessei a rua e acelerei o passo até a lavagem de carros.
     A árvore que foi pichada fica na esquina em frente a minha janela, onde sempre há um grupo reunido, esperando que o mercado abra. Seguidamente, a polícia para o carro ou as motos ou as bicicletas e dá um atraque nos “manos” ali parados. Mãos na parede, pernas abertas, uma revista, documentos verificados, um sermão e uma ordem pra circular. Os caras desaparecem. Quando voltam, o mercado já fechou e eles ficaram sem a mercadoria. Se ficarem ali parados esperando abrir de novo podem ser “reatracados” e a coisa vai ficar feia. Numa dessas, um dos manos, muito irritado, deixou sua raiva escrita no tronco da árvore “PM PUTO”. A inscrição vai ficar ali por um bom tempo, incrustada na casca da árvore, junto aos fungos que a habitam, mas, acredito, menos tempo do que os vendedores e do que os grupos de consumidores reunidos esperando abrir o mercado da droga. Esses vão durar mais. Talvez pra sempre.

Um comentário:

Anônimo disse...

Já pensou amor, eu tendo que ir até lá dizer para o brigadianos que nem cigarros tu fuma mais...?