Estou estarrecido com a quantidade de inverdades publicadas e compartilhadas no FB em forma de cartazinhos, por pessoas das mais variadas condições sociais e intelectuais, algumas que eu até achava inteligentes. Diariamente me deparo com mentirinhas políticas, criadas por algum inimigo oculto, cujo objetivo é minar a consciência de incautos despolitizados (que assim não se consideram). Esses últimos compartilham sem dó nem piedade aquilo que cai nas suas timelines, sem ao menos pesquisar a veracidade do comentário. Há também postagens inofensivas cujo objetivo é prestar “(des)informação”, tipo: bicarbonato e sódio cura câncer; água oxigenada branqueia os dentes; não aceite ligações de 06565xxx, porque esse número clona seu celular; a cada curtida na foto da criança doente o FB vai doar x centavos; ladrões estão jogando bolinhas de veneno nos quintais para matar cães e invadir a casa mais facilmente; Suzane Rischthofen, presa por matar os pais, teria virado pastora evangélica... E assim por diante. Uma infinidade de bobagens que, não bastando acreditar, algumas pessoas compartilham sem pesquisar.
Às vezes, dependendo de quem publicou e do conteúdo, informo a pessoa sobre a inverossimilhança do que está compartilhando; noutras, procuro desancar com argumentos, mesmo arriscando perder a amizade do incauto. Eu já agia assim antes do FB — e até antes do velho Orkut —, quando essas coisas eram encaminhadas apenas por email.
Uma das mentiras que ainda insistem em aparecer— apesar de ter sido desmentida milhares de vezes, por todos os meios — é sobre um benefício da previdência social chamado auxílio-reclusão. Aqueles que são contra o governo (doravante chamados de coxinhas) — acreditando que o benefício é coisa do governo atual (PT) — apelidaram o auxílio-reclusão de “bolsa-bandido”. Dizem que o valor atual do benefício (R$ 1.025,81) é pago a cada um dos dependentes do preso e deixam subentendido que todos os apenados têm direito a isso. Além disso, comparam esse valor com o valor do salário mínimo, coisas que não tem nada a ver uma com a outra. Pois bem, já cansei de explicar que o valor do auxílio é “dividido” entre os dependentes do apenado; que para ter direito ao auxílio, o apenado devia ser “contribuinte” da previdência por ocasião da detenção; o benefício só vale para apenados de baixa renda (que contribuam, no máximo, sobre o valor que é pago a seus dependentes); clique aqui se quiser maiores informações. A propósito: o auxílio não é coisa do PT, pois foi instituído há 50 anos, pelo extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) e posteriormente pelo também extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB), e depois incluído na Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960). Esse benefício para dependentes de presos de baixa renda foi mantido na Constituição Federal de 1988. Ah! Ele também existe em países ditos “civilizados”, de “primeiro mundo”. Para se ter uma ideia, a Previdência Social pagou, em fevereiro de 2014, 4.034.044 benefícios, num total de R$ 3.356.180.475,00 (média de R$ 831,96 por benefício); desses, apenas 1.609 eram auxílio-reclusão, num total de R$ 1.110.186,00 (média de R$ 689,99 por benefício).
Você, que critica o benefício, não está livre de cometer um ilícito e ir preso. Se você contribuir para a previdência sobre um rendimento de até R$ 1.025,81, seus dependentes terão direito a receber o rateio desse valor. Outra coisa: você já viu algum traficante, um homicida ou um assaltante na fila do banco, com o carnê do INSS na mão, para pagar sua contribuição à previdência?
Exemplos da cartazinhos mentirosos sobre o auxílio-reclusão, publicados no FB
Outra grande falcatrua que andou circulando até poucos dias diz respeito ao Marco Civil da Internet. Surgiram “especialistas” de todos os cantos condenando o agora aprovado conjunto de leis que definiram direitos e deveres de usuários e empresas que usam a rede ou oferecem infraestrutura para que ela funcione. Veja alguns exemplos.
Se você não sabe exatamente o que é Marco Civil da Internet, procure informar-se, não vá atrás daquilo que vê publicado. Não seja manipulado. Leia aqui.
Um dos cartazinhos mais cretinos dos últimos tempos apareceu nesta semana e foi imediatamente desmentido na página do FB da presidenta Dilma.
Outro truque dos mais usados pelos anônimos covardes é exibir a foto de alguma celebridade como se ela tivesse dito um texto que aparece ao lado. Na verdade, o que se lê foi escrito é o que pensa o autor da mentira (normalmente um reacionário raivoso). Eis um exemplo recente:
Ao ver isso publicado imediatamente fui atrás para ver do que se tratava. E, como imaginei, não era nada disso. O tal programa era de maio de 2013 e a única coisa de parecida com o que Fafá disse, e que está no texto do cartazinho, foi a frase “O Brasil está às avessas” (na verdade ela disse “É o país às avessas”). O contexto, no entanto era totalmente diverso do apresentado. Ela estava falando sobre a erotização e sexualização da juventude nos dias atuais. Clique aqui e veja o vídeo.
Não quero me estender muito, pois corro o risco de perder leitores. Não posso, no entanto, deixar de falar disso que me apareceu nessa semana.
Tudo indica que o tal Projeto de Lei Complementar teria sido inventado pelo atual governo e que é coisa da esquerda. Se o incauto coxinha compartilhar sem pesquisar — sim, porque ele acredita em tudo que esteja a favor de sua ideologia tacanha —, não vai ficar sabendo que esse PLC é de 2002 (basta ver o nº dele 276/“02”), foi inventando no governo FHC e teve aprovado o substitutivo de um ex-deputado do PFL (o partido até já mudou de nome e o cara saiu do parlamento em 2007). Garanto que quem compartilha isso nem sabe como era essa questão do trânsito de tropas estrangeiras no Brasil antes da aprovação desse PLC e como ficou agora. Você sabe, caro leitor? Acha isso importante?
Isso tudo sem falar na fazenda do filho do Lula; no jatinho do filho do Lula; na Friboi ser do filho do Lula; de o Lula ter saído na capa da Forbes, etc. Já se sabe até quem inventou esses boatos e um dos acusados é gerente financeiro do Instituto Fernando Henrique Cardoso (iFHC). Precisa dizer mais alguma coisa?
O que me conforta, contudo, é que a caravana passa e os cães ladram.
Este sábio ditado árabe “diz que não importa o latido dos cães, não importa o barulho que façam, a caravana segue o seu caminho, apesar deles… existe uma estrela a ser seguida, um pensamento a ser preservado, e nada vai impedir que a caravana siga o seu rumo… mesmo que pare por alguns momentos, mesmo que alguns cães se julguem alimentados pegando os restos que caíram durante a passagem, a caravana segue o seu rumo, mais fortalecida, mais coesa, deixando cada vez mais longe o barulho dos cães esfomeados. Uma caravana é feita de gestos, de sonhos, de atitudes, de longas vivências, de cumplicidades, de sentimentos fortes, de amizade, de amor e de desejos. Ela segue o seu caminho, totalmente indiferente ao ganido de cães enlouquecidos, atrás de alguma cadela no cio…” (Sandra Nasrallah, em O Recanto das Letras, 2008).