Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Galos de despachos


     Tem um galo morto na esquina em que moro. Está lá desde a noite de segunda-feira. Ouvi o som de um sininho e fui até a janela ver o que era. Numa das quatro esquinas do cruzamento, junto ao meio-fio, estava um casal, em frente a uma bandeja com coisas dentro que eu não consegui identificar, umas cinco ou seis velas acesas e, no meio da rua, uma porção de pipocas espalhadas. Depois de alguns movimentos corporais, os dois embarcaram no táxi que os esperava e se foram.
     Foi só na terça-feira de manhã, quando saí pra trabalhar, que vi que tinha um galo no despacho. Estava acontecendo o velório dele. Cerca de uma dezena de pombas estava em volta, deliciando-se com as pipocas. Não fiquei pra ver, mas acho que quando acabaram-se as pipocas as pombas devem ter tomado seu rumo. Não ficaram para o enterro, talvez por isso o galo vermelho continue lá.
     Não pense que estou surpreso ou impressionado com isso. Não é novidade. Cerimônias com esse tipo de ave são mais raras, mas existem. Os cachorros sem dono que vagueiam por ali e os que tem dono mas gozam da liberdade de procurar comida no lixo alheio nem dão bola pras pipocas e pros galos mortos que, ocasionalmente, são velados pelas pombas no cruzamento.
     Um dia desses fui despertado pelo canto de um galo. Eram mais ou menos cinco da madrugada. Estranhei muito, afinal, em pouco mais de quatro anos que moro ali nunca tinha ouvido um galo cantar. Mas não levantei. Esperei o despertador me chamar, às seis horas, como sempre. O galo continuava cantando. Antes de começar a preparar o café, fui até a área de serviço pra ver se localizava de onde vinha o canto. E lá estava ele, empoleirado na grade de ferro que cerca a casa da frente. Um grande e lindo galo vermelho. Não podia imaginar como tinha parado ali. Foi então que o guarda da rua saiu da guarita. Fiz um sinal com as mãos indagando o que seria aquilo, o que teria acontecido. Ele sorriu e disse que o galo tinha fugido durante a cerimônia da noite anterior. Cantava de feliz por ter escapado do estrangulamento sumário. Também fiquei feliz por ele.
     Com todo respeito, admito que cada um tenha sua religião, sua crença; e que cada um professe sua fé através das cerimônias pertinentes. Em assim sendo, católicos frequentam igrejas, onde se realizam missas; evangélicos frequentam templos para participarem de cultos; judeus comparecem a sinagogas, e assim por diante. O que não entendo é por que as religiões afros tem que acender velas, colocar oferendas e matar galos na frente da casa dos outros. Sim, eles moram longe dos cruzamentos onde deixam seus despachos, caso contrário não precisariam de táxi para levá-los até ali. Por que não o fazem na esquina da rua onde moram?
     Minha mulher ligou para o DMLU, ontem. Deram prazo de 48 horas para recolher o defunto. Até lá já fedeu bastante...

3 comentários:

Clara disse...

Meu amor. Parabéns para o DMLU, que já recolheu o galo e o que sobrou das pipocas e velas. Aconteceu em menos de 24 horas, após o contato. Parece que estamos sendo ouvidos pelos poderes públicos, o que nos dá um certo alento, porque enquanto os "profissionais de esquinas/encruzilhadas" insistirem em fazer de nossas ruas seus altares de sacrifícios, dos pobres galos, a gente sabe que eles virão no outro dia, se a gente pedir.
Beijos, sem macumba!

Macfuca disse...

Sabe que isso no Menino Deus já não se ve tanto nas esquinas mas na minha infância que se foi tinha muito disso bem pertinho de casa aliás do lado, volta e meia eramos expulsos pela "Mãe de Santo" que era mãe também do meu amigo vizinho (bota mãe nisso hein)porque nas seções quando baixava o "Santo" tinhamos um acesso de riso, sem dizer nas cerimônias de Cosme e Damião que enquanto comiamos os quindins oferecidos a mãe de "Santo" fumava charuto e por fim tomava um bom gole de cachaça e cuspia sobre a comida, quer dizer muito antes disso acontecer corriamos pra pegar o que dava e saíamos porta fora. Casa com chão de madeira não preciso dizer que a noite inteira escutava o batuque dos tambores e claro o bixo pegando bem ali do lado e pior que desde aquele tempo o pobre galo é que pagava o PATO, ou o contrário sei lá!rsrsrs
Abração

Anônimo disse...

Quando morei na Wenceslau Escobar, nossa casa ficava perto do Cemitério Municipal da Tristeza e o que mais tinha por ali eram oferendas para Santos. Quem se dava bem era nosso Boxer Barnaby, que seguido entrava em casa com restos das pobres aves. Diversas vezes acompanhei minha mãe enterrando os restos mortais que que sobravam no pátio lá de casa! Beijos