Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







quinta-feira, 4 de março de 2010

As árvores do Partenon



     Elas estavam lá desde sempre, imponentes, com suas folhas verdes, de pé sobre o tapete verde, ao pé do morro. Dezenas de espécies aladas faziam delas suas moradas, seus pontos de passagem. Eram um pedaço do grande pulmão que ajudava a purificar o ar de um povoado que surgia.
     Com o passar do tempo, o povoado tornou-se um complexo demográfico formado, social e economicamente, por uma importante concentração populacional dedicada a atividades de caráter mercantil, industrial, financeiro e cultural. A cidade virou, então, uma metrópole.
     Para tornar-se o que é, trocou o tapete verde por largos quadriculados cobertos de pedras e asfalto, devastou a população de árvores nativas e, consequentemente, afugentou dezenas de espécies aladas.

     Uma das coisas de que gosto neste bairro meio ânus em que moro são as árvores que ainda sobrevivem às necessidades de uma metrópole. São poucas, mas existem em maior número do que noutros bairros de mais status. Eu gosto delas. Devem saber de todas as histórias do surgimento do Partenon; devem conhecer todas as pessoas que descansam em suas sombras quando sobem o morro nas tardes de calor. Já contei doze espécies de pássaros (incluindo as pombas) que, como eu, também gostam delas. Na primavera, os sabiás me acordam lá pelas quatro da madrugada. Não me importo. Reconheço na algazarra deles a renovação da vida. No outono elas me deixam ver mais longe, onde já não vivem mais suas irmãs.
     Fico indignado, vez que outra, quando algum enorme caminhão com seu alto baú desce a rua tirando fininho do meio fio, levando junto grandes galhos desses meus objetos de admiração. Imagino que agem como pilotos de caça que, em rasantes, bombardeiam e metralham os inimigos sem dó nem piedade.
     Pelo menos uma vez por ano funcionários da prefeitura vêm “podar” as árvores de um dos lados da rua em que no meio delas passam os cabos de energia e comunicação. Por que não os fizeram subterrâneos? As árvores ficam como alguém de quem arrancaram alguns dentes.
     No meio da manhã de hoje ouvi uma falação de vozes masculinas. Eram funcionários da prefeitura que haviam chegado num caminhão e descarregavam uma escada, cones de sinalização, varas com ganchos nas pontas e uma motosserra. Reuniram-se em torno de uma árvore que fica na esquina enviesada à do meu prédio. Não entendi. Os cabos não passam daquele lado da rua. Em seguida, um deles usou a escada para subir na árvore. Outro alcançou-lhe a motosserra, a quem imediatamente fez roncar ensurdecedora e assustadoramente. Não o via, pois as ramas o escondiam. Nenhum galho caiu e a motosserra foi desligada. Ouvi o homem gritar “— Não tá cortando!”. Ótimo — pensei —, talvez desistam. Que nada.
     O telefone tocou. Fui atender e não voltei para a sacada. De repente ouvi um grande estalo. Olhei pela janela e vi o maior galho da árvore caído inerte no meio da rua. Um dos homens perguntou: “— Era isso que tu queria?”.


     Fiquei sem saber o sentido exato da pergunta: se ele queria mesmo saber o que perguntou ou se repreendia o outro pelo que acontecera. Enfim, não importa o sentido. O estrago estava feito. Ou não seria um estrago e sim um desejo concretizado?
     Ficaram alguns minutos em volta da árvore e do grande galho morto no meio da rua. Fumavam. Pareciam estar num daqueles velórios em que se vai por obrigação e não por estar sentido com a morte do morto.


     Mais meia hora de motosserra azucrinando os ouvidos da vizinhança e o galho caído já estava picotado e jazendo sobre a calçada, aos pés do tronco e dos outros dois grandes galhos que sobreviveram dessa vez. As folhas já não eram tão verdes.


     Ainda estou sem saber o porquê disso.

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