Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







segunda-feira, 1 de março de 2010

Lila em Bombinhas II - o retorno




     Estamos de volta ao Rio Grande e à Porto Alegre. Não aconteceu tudo como pensei e escrevi na postagem anterior. A maioria dos eventos ocorreu de forma melhor. De ruim, descobri que nem em Bombinhas sou rei. Talvez porque não seja argentino. A única exceção se refere ao tratamento que nos é dado por Liane, a administradora do Residencial Luanda, onde nos hospedamos. Como sempre, tratou-nos como rei, rainha e animalzinho de estimação do reino. Mas não é por nada: sem falsa modéstia, eu e Clara somos pessoas agradáveis, simpáticas e de bom convívio. A Lila só não é simpática algumas vezes.
     Vamos aos fatos.

A viagem

     Como planejado, partimos às seis da manhã, com o carro lotado e Lila presa ao cinto de segurança do banco traseiro. Desacostumada, ficou a lamentar a situação de não poder estar no colo da dona. Alguns gritos depois, acalmou-se um pouco e atravessamos a BR-290 com tranquilidade.
A primeira parada foi no Maquiné, na RS-030, um pouco antes da Estrada do Mar. Nos revezamos pra tomar café: enquanto eu me servia, Clara ficou com Lila, e vice-versa. Ela estava achando aquilo tudo muito estranho. Presa à guia, andava de um lado a outro cheirando as pernas de todos que entravam e saiam do Maquiné.
     Devidamente alimentados, nos pusemos novamente a caminho do paraíso. A RS-389, conhecida como Estrada do Mar, era nossa rota até Torres. Nesse recomeço, Lila mostrou-se bem mais irritada e confusa do que na saída de Porto Alegre. Não parava de latir e de lamentar sua condição canina. Não deu outra: tivemos que parar em plena estrada e ministrar-lhe Acepran, um neuroléptico e tranquilizante em gotas para cães e gatos, receitado, é claro, por um veterinário. Como se faz isso? Simples: pinga-se o remédio numa colher e recolhe-se o conteúdo com uma seringa para, em seguida, enfiar guela abaixo da cãzinha.
Santo remédio. Pouco tempo depois estava chapada: olhos pequenos, pernas bambas e sem forças para latir. De vez em quando, dizia “uinf”, bem baixinho. Surpreendentemente não dormiu.
     O plano era almoçar no Restaurante do Japonês, em Sombrio. Passamos direto. Eram recém 10h20. Meus conhecimentos de BR-101 se reportavam ao ano passado, por isso achei que chegaríamos nesse ponto ao meio-dia. A estrada, no entanto, é outra. Se não houver acidente ou caminhão estragado nos desvios e trechos de mão dupla, a viagem flui normalmente. Há vários trechos com duas pistas de ida e duas de volta (e vice-versa, dependendo do ponto de partida).
     Resultado disso: chegamos na Ferju ao meio-dia. Ferju é uma grande loja de beira de estrada, em Imbituba, de artigos de cama, mesa, banho e vestuário. Milhões de peças ficam penduradas nas milhares de araras e prateleiras espalhadas em – calculo – mil metros quadrados. Por vários quilômetros, tanto na ida como na volta, se veem outdoors da Ferju a beira da BR anunciando seus produtos a preços muito baixos. Na verdade, os produtos baratos são de qualidade muito duvidosa, inclusive na aparência. De resto, os preços são os mesmos encontrados nas melhores lojas do ramo. Mas sempre é bom dar uma olhadinha.
     O local é ponto de parada de ônibus de excursões. Ao lado da Ferju tem um restaurante, o Vitória Régia, onde fomos almoçar. A Lila ficou dentro do carro. Estava chapada mesmo. É buffet livre e a comida não vale o preço que se paga. Acho um saco essa coisa de ter que servir de tudo no mesmo prato. Além disso, o local onde ficam os alimentos – cujo nome é buffet –, deve ter sido fabricado por portugueses ou catarinas. Ou uma sociedade entre ambos. A fila começa pelos pratos quentes. Ridículo. Têm umas quato opções e começam as saladas. Na ponta ficam as sobremesas. Faz-se a volta e têm mais saladas. Depois há outros pratos quentes. Sobre as comidas tem um toldo encurvado de acrílico transparente, cuja parte de baixo fica na altura do peito de quem está se servindo. Tentei pegar um pedaço de carne que estava do outro lado e tive que fazer uma ginástica. O dono do Vitória Régia estava ali e me cutucou. Olhei pra ele, que me repreendeu, fazendo com a mão o sinal de não, ou seja, que eu não poderia pegar alimentos do outro lado, mas sim seguir a fila. Só em Imbituba mesmo. Pedi uma cerveja sem álcool e estava quente. A sobremesa era sagu e salada de frutas...
     Se um dia visitarem a Ferju no horário do almoço, é bom levar um sanduíchinho na lancheira. O Vitória não tem nada de Régia.
     A viagem seguiu pela BR-101 sem percalços. Perto de Florianópolis paramos num posto pra nós três fazermos xixi e dar água pra Lila. Nós fizemos. Ela já tinha feito no carro...
     A partir daí só foi, até Bombinhas, onde chegamos às três da tarde, sob 82 graus centígrados de calor. Além de tirar tudo do carro, ainda tínhamos que ir ao supermercado fazer compras.

Bombinhas

     O município de Bombinhas é dos tantos recortes da natureza que caíram no chão de Santa Catarina, conferindo a esses locais uma anatomia diferenciada. Para se chegar lá é preciso atravessar por Porto Belo. O município é composto por vários balneários: Galheta, Bombas, do Ribeiro, Bombinhas, Prainha, Embrulho, Lagoinha, Sepultura, Retiro dos Padres, do Biguá, dos Ingleses, Quatro Ilhas, do Caeté, do Atalaia, Mariscal, Canto Grande, Conceição, da Tainha, Porto da Vó, Canto Grande de Dentro, Morrinhos, Zimbros, Triste, do Cardoso, Vermelha, da Lagoa, do Cantinho.
     Confesso que só conhecemos Bombas, Ribeiro, Bombinhas, Quatro Ilhas e Mariscal.
     O Residencial Luanda fica em Bombinhas, a duas quadras do mar.

O comércio

     Além de dois supermercados meia-boca, Bombinhas tem lojinhas como em todo e qualquer balneário do mundo, que vendem moda praia, acessórios para praia, enfeites e decoração. De produtos típicos da região só há camisetas com desenhos referentes a praias em geral com o texto Bombinhas-SC. Muito original. Não existe um artesanato da cultura local. De artesanal só a pesca mesmo. E, convenhamos, não dá pra trazer um peixe de lembrança.
     Há vários restaurantes. Os pratos são os mais variados: camarão soltinho, camarão alho e óleo, anchova grelhada, camarão soltinho, camarão alho e óleo e anchova grelhada, além disso, tem camarão soltinho, camarão alho e óleo, anchova grelhada, camarão soltinho, camarão alho e óleo e anchova grelhada. Num que outro tem lagosta e noutro que um tem lagosta. Mas o preço é só pra argentinos.
     Também há restaurantes mais populares, onde o buffet tem as mesmas comidas que comemos aqui, inclusive rodízio de pizzas. Muito original.
     À noite, todos os retaurantes da rua principal têm música ao vivo. Num tem um cara com violão que toca axé, noutro tem um cara com violão que toca sertanejo, noutro tem um cara com violão que toca MPB, noutro tem um cara com violão que toca de tudo, desde axé até Pink Floyd. Neste, o cara era muito bom. Ah! Tem um com uma banda de reggae. Um detalhe bizarro: como os restaurantes são próximos um do outro, ao se passar na rua, quando se está no meio de dois ouve-se uma mistura de axé com sertanejo, ou de sertanejo com MPB, ou de MPB com reggae, ou de R.E.M. com axé.
     Pra quem é bem turista mesmo, várias embarcações fazem passeios pela região, com paradas pra mergulho, pra pesca, pra nadar ou simplesmente pra almoçar ou lanchar na Ilha de Porto Belo ou numa das pontas de Bombinhas. Tem também Banana Boat e Parasiling pra quem quer uma aventura um pouco mais radical.

Os veranistas

     Em Bombinhas veraneia gente de vários estados, com predominância para gaúchos e paranaenses. Além de brasileiros, há outros representantes do Mercosul: argentinos, paraguaios e uruguaios. Os primeiros são a grande maioria.
     Os estrangeiros são, em geral, bem comportados. O mesmo não se pode dizer dos brasileiros, especialmente de alguns paranaenses. Não são curitibanos, mas sim do interior daquele Estado. Imagino que quem veraneia num lugar como Bombinhas sejam pessoas pertencentes a uma classe mais favorecida. Isso não quer dizer, entretanto, que o gosto musical e a educação sejam compatíveis com condição financeira dessas pessoas. Os carros deles têm som potente e ouvem a todo volume músicas sertanejas, axé e funk.
     Uma coisa que se procura ao ir pra um lugar desses é sossego. Acorda-se mais tarde do que normalmente, vai-se à praia, volta-se sem hora pra almoçar e, depois, a boa e inevitável sesta. Isso é o que, acredito, façam todas as famílias normais. Alguns idiotas, contudo, gostam de visitar parentes justamente na hora em que a gente está puxanto um ronquinho, lá pelas três da tarde. Acorda-se assustado, repentinamente, com Zezé de Camargo e Luciano chorando no ouvido da gente e uma gritaria histérica de quem parece que não se vê há 80 anos.
     No domingo de carnaval acordamos assim, à tarde. Era na casa em frente. Chegaram três carros cheios de adultos adolescentes. O que se há de fazer? Aguentar. Mas tolerância tem limites. Depois das sertanejas veio axé; depois do axé veio o funk. A gota d'água foi aquela da velocidade seis, gravada pela – pasmem! – Mulher Melancia. Não aguentei mais. Desci, abri as portas e o porta-malas do carro, coloquei Iron Maiden ao vivo a todo volume, depois troquei por Metallica. Nosso carro tem potentes alto-falantes, chegava a tremer. Quem passava na rua apenas ria, olhando para um lado e para outro, sem entender nada ou justamente rindo porque entendia. Não sei se esses transeuntes gostavam de funk ou de heavy metal ou de nenhum dos dois. Funcionou. Eles baixaram a bola e em seguida foram embora.
     Aliás, não entendo por que na praia só toca esse tipo de música. Em Bombinhas, todos os restaurantes na beira da praia tocam Ivete Sangalo, Cláudia Leite, Daniela Mercury e outros baianos. Será que é só porque na Bahia tem praia?

A praia

     A faixa de areia em Bombinhas é bem estreita. Às 10 da manhã é difícil achar um lugar pra instalar guarda-sol e cadeiras. Sabendo disso, o “condomínio” de banhistas convive pacificamente, praticamente com um sentado no colo do outro. Nos abancávamos em frente a um restaurante chamado Mais Verão, onde a cerveja era sempre beeeem gelada, tão geladinha que era impossível tomar uma só.
     O mar dispensa maiores comentários: é de Santa Catarina. Água transparente e morna. Para o meu gosto, no entanto, o mar de Bombinhas tem um grande defeito: não tem ondas nem pra pegar jacaré. Logo eu, um surfista acostumado às ondas gigantes de Tramandaí e Capão da Canoa, tendo que me banhar naquela piscina. Não acreditam? Olhem minha foto da década de 80.
     Em Bombas e na praia do Ribeiro a situação é igual, mas em Mariscal, lá sim, tem ondas bem legais e a faixa de areia é extremamente larga.

     Neste veraneio, a Prefeitura de Bombinhas resolveu dar uma moralizada nos costumes e no comércio da beira da praia. Até o ano passado era comum se ver vendedores de tudo quanto é quinquilharia circulando entre os banhistas. Agora só os credenciados, que têm que pagar bem carinho por um alvará.
     Outros pontos da moralização que constam de cartazes afixados nas entradas para o mar dizem respeito à proibição explícita de levar animais para a orla e a recomendação pra não deixar lixo na areia. Vimos, contudo, alguns animais. Se tinham dono ou não, não sei. Rebeldemente desrespeitando a proibição, levamos a Lila pra conhecer o mar numa tarde. Atravessamos quase toda orla e fomos até o trapiche de onde saem e chegam os barcos das escolas de mergulho. É um local de orla curta, cheio de pedras e com água bem transparente. Ali, aprendizes de mergulho dão suas primeiras olhadas sob a água. A Lila adorou a experiência. Se nunca tinha visto, entrar no mar, então, nem imaginava que pudesse acontecer. Foi só colocá-la na água pra começar a nadar o famoso estilo “cachorinho”.

     Na volta, justamente nesse dia, vimos o primeiro fiscal da prefeitura na beira da praia. Claro que veio nos pedir pra sair dali e caminhar com o animal na avenida. No princípio ficamos envergonhados por termos sido pegos em “contravenção”. Depois entendemos que seria melhor pra Lila não voltar mais àquela areia cheia de latinhas de cerveja, sacos plásticos, cocos verdes e saídas de esgoto contendo o que argentinos, gaúchos e paranaenses não aproveitam no organismo. Entendemos que não seria a Lila a contaminar a areia, mas sim o contrário, já que ela é vacinada com regularidade e toma banho seguidamente.

Shaidi

     Não sei se é assim que se escreve, mas é assim que é chamado o cachorro da administradora do Residencial Luanda. É um labrador enorme, bonito e muito dócil. Já nos conhecíamos desde o ano passado. Quando nos viu chegar veio em nossa direção abanando o corpo todo e trazendo na boca uma folha seca pra nos ofertar, como costuma fazer com quem simpatiza.
     O Shaidi é uma figura. Todas as tardes, quando saíamos pra passear com a Lila ou pra ir ao supermercado, ele ia junto. Vai cheirando tudo que é montinho e marcando território em todos. Acho que por dentro é só uma grande bexiga. Anda um pouco ao lado da gente e depois vai em frente. Se resolvíamos dobrar uma esquina por onde ainda não tínhamos passado, bastava eu assoviar e ele olhava pra trás. Eu apontava a direção com o dedo e ele voltava, entrando direitinho na rua indicada.
     Quando íamos ao supermercado, Clara entrava e eu ficava do lado de fora segurando a Lila pela guia. Shaidi sentava-se ao meu lado e ficava esperando a hora de voltarmos.
     Na última semana do veraneio, o filho da Clara estava consosco. O Shaidi foi junto conosco para a beira da praia. Se aparecesse algum fiscal seria fácil dizer que não sabia quem era, pois anda sem coleira (o cachorro, não o fiscal). A primeira coisa que fez foi dar um mergulho para, em seguida, rolar-se na areia. Caminhou ao nosso lado até uma das pontas da praia e, na volta, sentou-se conosco (Clara e eu nas cadeiras; ele e o filho da Clara no chão). Se o rapaz fosse meu filho seria a cena da família perfeita.

A volta

     O retorno foi tranquilo como a ida. Com o filho da Clara junto, a Lila ficou mais calma, pois, além de estar mais acostumada, não estava sozinha no banco traseiro.
     Chegamos em Capão da Canoa ao meio-dia. Fomos dar uma olhadinha no mar e ficamos com uma saudade enorme de Bombinhas. Trágico: água marrom e cheiro de peixe no ar.
     De bom o almoço no Maquiné com minha linda filha Manuela, que veraneia em Capão.

3 comentários:

Clara disse...

Que lindo amor, sem falar que sempre é uma "nova lua-de-mel"!
Estou com saudades de Bombinhas.... quero voltar, contigo e a Lila e o Lê. Lá somos sempre muito felizes. Te amo!

Macfuca disse...

Praticamente me senti lá em Bombinhas com o teu relato. Bombinhas me lembra muitos acampamentos que fiz ali naquele camping que tem bem no fim da praia antes de subir o morro. Tempo em que Bombinhas era território de paz sem sonorização axé. Tua indagação é a minha também porque sempre os que tem esses carrões com sonorização de trio elétrico nunca o proprietário e alguém que curte Pink Floyd, Eric Clapton, Jack Jonson e claro a banda Folkroll. Bom se Bombinhas tava assim imagina como estava em Capão? A única coisa que tenho a defender é que a semana que passei em Capão dias em que não corria um vento (inédito)a água era limpa e com temperatura agradável dava até para pensar que se estava em Santa Catarina. De resto só Reboleicham!!!! Bom retorno!

Henrique disse...

Ótimo post. Passei anos aproveitando um pouco das férias em Bombinhas. E faço das suas, as minhas palavras. Muito bom!