Coisas que me dão na telha, de vez em quando, e que quero deixar registradas, nem que seja num blog.







sábado, 16 de janeiro de 2010

O anônimo que odeia Dilma




     Tem um email apócrifo invadindo nossas caixas de entrada, contando um trecho de suposta biografia da ministra Dilma Rousseff. Eu já recebi umas três vezes e conheço gente que recebeu mais. Fico imaginando como seria o caráter da pessoa pretensiosa que começou essa corrente e dos ingênuos ignóbeis que repassam o texto sem questioná-lo. Estes poderiam ao menos acrescentar que concordam ou discordam, mesmo não sabendo se é verdadeiro ou não. O texto não cita fonte alguma. Parece evidente que o autor leu em algum lugar um texto completo e pinçou as partes que lhe interessavam.
     Fui atrás de uma biografia rápida de Dilma Rousseff pra ver quão tendencioso é o texto que circula nos emails. Optei pela que encontrei no Wikipedia*. Tem gente que não confia no Wikipedia por ser uma enciclopédia online livre, ou seja, qualquer pessoa pode inserir ou alterar seu conteúdo, desde que com seriedade e respeito às normas de conduta e de direitos autorais. Sobre a biografia de Dilma no Wikipedia, no entanto, é difícil duvidar que seja fajuta, pois apresenta nada menos do que 86 referências, entre livros e artigos publicados em revistas e jornais.
     A biografia tendenciosa começa dizendo que o pai de Dilma – “Pétar Russév (mudado para Pedro Rousseff) –, filiado ao Partido Comunista búlgaro, deixou um filho (Luben) lá na Bulgária e veio dar com os costados em Salvador, depois Buenos Aires e, ao fim, fez negócios em São Paulo”. Omitiu sua profissão de advogado e empreendedor, e de que frequentava os círculos literários dos anos 20. A impressão que passa é de que o Pedro abandonou o filho e a mãe deste na Bulgária. Na verdade ele já era viúvo quando partiu da Bulgária.
     O pseudobiógrafo continua contando a sua maneira que Pedro Rousseff “encantou-se com a professorinha de 20 aninhos, Dilma Jane da Silva (rica, filha de fazendeiro), e com ela casou e viveu em Belo Horizonte, tendo três filhos: Igor, Dilma - a guerrilheira - e Lúcia”. É verdade. Ele se casou com uma “professora” de 20 anos que conheceu em Minas e que era filha de pecuaristas. O “professorinha” e a observação do autor entre parênteses revela as intenções secretas de seu discurso. Mais tendenciosa ainda é a qualificação dos três filhos de Pedro e Dilma Jane: Igor e Lúcia nada são; Dilma é “a guerrilheira”.
     Em seguida, observa que “era uma família classe A, com casa enorme, três empregadas, refeições servidas à francesa, com guarnições e talheres específicos. Tinham piano e professora particular de francês”. Novamente aparecem as maldosas intenções: qual o problema de uma família pertencer à classe A e ter os privilégios inerentes? Acho que nesse ponto o autor deu um tiro no pé. Com tudo isso à disposição, Dilma preferiria a explícita luta de classes ao luxo e ao conforto.
     As duas biografias dizem que Dilma saiu do conservador Colégio Sion e, em 1965, foi estudar no Colégio Estadual Central. O que a fajuta não conta é que esta última era uma escola pública mista, na qual os estudantes secundaristas faziam grande agitação, especialmente por conta do recente golpe militar (olha só: apareceu o golpe militar, referência que não aparece no texto do email!). Limita-se a comentar que “nas férias, iam de avião para Guarapari/ES e ficavam no Hotel Cassino Radium”. Deveras importante para uma biografia e um reforço no tiro no pé.
     A própria Dilma Rousseff revela que “foi nesta escola que ficou ‘bem subversiva’ e que percebeu que o mundo não era para ‘debutante’, iniciando sua educação política”. Uma explicação: subversivo é aquele que pretende destruir ou transformar a ordem política, social e econômica estabelecida; debutante é mocinha que se estréia na vida social. Qual era a ordem política, social e econômica estabelecida?
     Os dois textos falam que Dilma ingressou na Política Operária (POLOP) e depois entrou para um grupo, que deu origem ao Comando de Libertação Nacional (COLINA). O do email não fala muito sobre a origem desses grupos e logo diz que Dilma “casou-se com Cláudio Galeno Linhares, especialista em fazer bombas com os pós e líquidos da farmácia de manipulação do seu pai”. Será? No texto da Wikipedia diz que Galeno ingressara na POLOP em 1962, havia servido no Exército, participara da sublevação dos marinheiros por ocasião do golpe militar e fora preso na Ilha das Cobras. Casaram-se em 1968, apenas no civil, depois de um ano de namoro. Sobre bombas só revela que

“no início de 1969, o COLINA em Minas Gerais resumia-se a algumas dezenas de militantes abnegados, com pouco dinheiro e poucas armas. Suas ações haviam se resumido a quatro assaltos a bancos, alguns carros roubados e dois atentados a bomba, sem vítimas”.

     Ainda do Wikipedia:

“Segundo companheiros de militância, Dilma teria desenvoltura e grande capacidade de liderança, conseguindo impor-se perante homens acostumados a mandar. Não participava diretamente das ações armadas, pois era conhecida por sua atuação pública, tendo contatos com sindicatos, dando aulas de marxismo e responsabilizando-se pelo jornal O Piquete. Apesar disso, aprendeu a lidar com armamentos e a enfrentar a polícia”.

     Por conta de seus atos, Dilma e Galeno precisaram se esconder e acabaram indo para o Rio de Janeiro, onde ela conheceu o advogado gaúcho Carlos Franklin Paixão de Araújo, havendo uma paixão súbita e recíproca. O email tendencioso conta assim o episódio: “No Rio, ainda casada, apaixonou-se por Carlos Franklin Paixão de Araújo, o chefe da dissidência do Partidão; então, chegou, de chofer, e disse para o marido: ‘Estou com o Carlos!’”. Repare nas expressões “ainda casada”, “de chofer”. Quanto moralismo e preconceito! O próprio Galeno afirmou que “naquela situação difícil, nós não tínhamos nenhuma perspectiva de formar um casal normal.”
     Os dois textos vão adiante na trajetória de Dilma. Ambos contam passagens da vida dela, mas o do email apenas com o que interessava ao autor e, inclusive, fantasiando um pouco. Um trecho da Wikipedia

Dilma teria sido a organizadora, na época, do roubo de um cofre pertencente ao ex-governador de São Paulo Ademar de Barros (considerado pela guerrilha como símbolo da corrupção) em 18 de junho de 1969, na cidade do Rio de Janeiro, de onde foram subtraídos 2,5 milhões de dólares. A ação veio a ser a mais espetacular e rendosa de toda a luta armada. Carlos Minc, que foi seu colega na organização clandestina VAR-Palmares e estava entre os militantes que invadiram a casa da suposta amante do ex-governador, nega a participação de Dilma, afirmando ainda que é exagerada a versão de que Dilma era a líder daquela organização, sendo à época uma participante sem nenhum destaque.

     Nada disso transparece no texto do email. Ao contrário, seu autor dá a entender que Dilma é a personificação do mal. Não vou aqui me estender e analisar detalhadamente seu discurso retórico e apócrifo, no qual não há o menor comprometimento na busca da verdade, nem da sua demonstrável probabilidade. No email, o autor objetiva apenas convencer o leitor de que sua tese é certa ou verdadeira, utilizando-se de um linguajar peculiar de conservadores e falsos moralistas, cheio de adjetivos e expressões preconceituosas como fatores para influenciá-lo ou persuadi-lo. Finaliza assim

Eis aí uma “síntese/sintética/resumida” da vida da Dilma Rousseff que, logo... logo... será apresentada pelo Lulla como a pessoa ideal para governar o país. E, em se tratando deste povo brasileiro (batuque, bola, bolsa-família e bunda), tudo pode se esperar, infelizmente.

     Devo lembrar que José Serra, suposto antagonista da suposta candidata à presidência da República Dilma Linhares, teve que se exilar no Chile e, depois, nos Estados Unidos, devido à sua participação contra o regime militar que se instalou no Brasil em 1964.
     Também devo lembrar ao ilustre autor anônimo e aos forwarders desse email que, se estivéssemos hoje sob um regime semelhante ao que havia na época em que se passaram os atos e fatos atribuídos a Dilma, seu IP seria rastreado pela inteligência estatal, ele seria preso, torturado e ainda agradeceria por sair dessa com vida.

     Que Deus perdoe essa criatura inominável.

2 comentários:

Ervin disse...

se ele era viuvo quando saiu da Bulgaria, porque varios sites dizem que ele não conheceu o filho? E se já tivesse o filho, sendo viuvo, com quem o deixou? E se o deixou, que tipo de pai era ele?

sandra eckelhöfer disse...

boa, Ervin.